Testemunho do Padre José Sousa, SJ
Este padre não precisa que eu o apresente. Ele o faz por si mesmo quando escreve sobre a sua espantosa experiência pastoral em Moçambique que já tem registada em repetidas publicações, particularmente no seu livro de memórias.
No livro Manuel Vieira Pinto - O Visionário de Nampula deixou, a meu pedido, bem patente a sua devoção a este invulgar Bispo, passado definitivamente a Deus no passado dia 30 de Abril.
A este propósito, e com o intuito único de deixar o seu testemunho bem personalizado nas mãos do actual Bispo do Porto, Manuel Linda, escreveu o texto que aqui deixo e que lanço na rede como muita alegria.
Estaremos a fazer sempre pouco do muito que nos resta para embarcarmos activa e eficazmente na barca do Papa Francisco por "Uma Igreja desclericalizada" ou, como diz o título de um dos meus livros, "Uma Igreja de Todos e de Alguém", nascidas na "Igreja das Palhotas" editados pelas Irmãs Paulinas
**********************
D. MANUEL VIEIRA PINTO, BISPO DE NAMPULA E ADMINISTRADOR APOSTÓLICO DA DIOCESE DA BEIRA,
UM PROFETA PERSEGUIDO E SOFREDOR
Por diversas vezes, fiz
referência a D. Manuel Viera Pinto nos livros por mim, escritos: Resenha
Histórica da Diocese da Beira; A Igreja e a Paz em Moçambique; 500 Anos de
Evangelização em Moçambique (um livro escrito por mim e pelo Padre Francisco Correia, Jesuíta)
e, nos meus dois últimos livros: 44 Anos dum Jesuíta Missionário em Moçambique
e, ultimamente, As Minhas Memórias Mais Recentes.
Convivi com D. Manuel na
Diocese da Beira, onde era Administrador Apostólico por resignação de D. Manuel
Ferreira Cabral e eu, como seu Vigário Geral, por ele próprio, nomeado. Não
tenho receio de lhe chamar um Profeta Perseguido e Sofredor, pois algumas vezes,
fui testemunha da sua confidência, quando desabafava. “Sousa só vivemos em
cheio o problema de Moçambique, quando Bispos, sacerdotes, religiosos e
religiosas, leigos responsáveis, sofrermos juntos por Moçambique, pelo homem
moçambicano e não moçambicano…”
Eu ia-lhe dizendo que isso era quase
impossível, no tempo se dizia, utopia, mas ele estava muito convencido e sentia-lhe
uma grande coragem, quando alguém se colocava ao seu lado. Por isso, me chamava
sempre para estar ao seu lado, quando ele pegava na caneta e escrevia algumas
das suas Mensagens ou Cartas Pastorais.
Era admirável, com uma letra igualmente
admirável, saindo tudo à primeira, quase sem necessidade de reescrever a frase!
Mais
adiante referir-me-ei a um bom grupo de portugueses e também alguns
moçambicanos que, nos momentos de maior perseguição, vinham falar com ele à
casa diocesana. Antes de entrarem para dentro de casa, olhavam para todos os
lados, pois ela estava fortemente vigiada pela PIDE. Estes leigos responsáveis
traziam notícias, e, sobretudo, palavras de consolação. E davam-nos um grande
conforto.
Vinham também jornalistas, tanto do Diário de Moçambique, como do
Notícias de Lourenço Marques que nos contavam as reações dos jornais sobre a
expulsão dos Padres Brancos e mais tarde sobre o Julgamento dos Padres do
Macuti, Padres Sampaio e Fernando, e das pressões a que estavam sujeitos os
missionários e missionárias.
Ontem, dia 1 de Maio, recebi
por um e-mail do Padre Zé Luzia, a notícia do falecimento de. Manuel Viera
Pinto. Desde há muito, o acompanhávamos na sua fragilidade e sempre
perguntávamos notícias a quem o visitava, pois, embora assim fragilizado,
gostávamos de o ter connosco como testemunho vivo dum Pastor que nunca se poupou
a nada, arriscando a própria vida, como a arriscou, para estar do lado do Povo
Moçambicano que lutava pelos seus direitos e ser um povo independente.
Este
direito à independência tornava-se cada vez mais evidente, sobretudo, a partir
da década 50, quando a maioria dos Povos Africanos começaram a aceder a esse
valor, em maiúscula, que lhes era negado pelas potências coloniais.
Portugal
continuava a querer governas as suas colónias, afirmando que o caso português
era diferente dos grandes países coloniais: a França, a Inglaterra e outros,
mas em realidade, com o tempo, isso não estava a acontecer nem ia acontecer. E
não era, posteriormente, a operação Nó Górdio que acabaria com a guerrilha ao
Norte, na Província de Cabo Delgado (Porto Amélia/Pemba) e, anos depois, estendida a todo o Moçambique…Recordo-me
de ver, uma ou outra vez, no Aeroporto da Beira, o General Kaúlza de Arriaga muito
atarefado e nós comentávamos que o Operação Nó Górdio estava a correr mal,
embora a versão oficial fosse outra.
D. Manuel foi para junto do seu
Senhor que muito amava e de quem falava com o carisma próprio dum
Profeta e com uma linguagem dirigida a todos, uma linguagem que ele sabia
aplicar à realidade e que manuseava o Concílio Vaticano II, quase página por
página.
Grande Bispo e grande Profeta. Participei num Curso do Mundo Melhor em
S. Benedito da Manga, (Chingussura) e os Documentos do Vaticano II eram luz
que iluminava o nosso caminho no momento muito especial em que todos
necessitávamos dessa luz.
Tinham sido expulsos os Padres Brancos e a Diocese
necessitava de reconciliação, de compreensão de tal gesto. O Curso do Mundo
Melhor que teve lugar na Manga foi orientado pelo Padre Cuvero, um sacerdote
do Mundo Melhor que trabalhou com o Padre Ricardo Lombardi. Colaborou, também
aqui, neste Curso, o Frei Miguel Negreiros. D. Manuel foi o grande
impulsionador deste ato de reconciliação coletivo e, a partir daí, foi melhor
compreendida a Mensagem do Conselho de Presbíteros como se verá a seguir, A
logística deste Curso esteva a cargo das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora. A Irmã
Ilda Fontoura era a grande animadora da parte das Irmãs de S. Benedito e a
ela se devem os arranjos dos espaços para acolheram umas 150 pessoas.
Estudei a minha teologia em
Barcelona no momento do Concílio Vaticano II e confesso que muito me enriqueci
com a linguagem empregada por D. Manuel, desde o Concílio. Não houve neste
encontro do Mundo Melhor, na Manga, ninguém que não fosse fortalecido para acompanhar
D. Manuel no projeto que tinha como Administrador Apostólico da Diocese da
Beira.
No dia 30 de Junho de 1971,
estava eu no Centro Catequético de Nazaré, em Inhamízua, Beira, depois de ter
ido ao Aeroporto despedir o último grupo
de Padres Brancos e Monsenhor Duarte de Almeida, igualmente expulso de
Moçambique, quando, pela tardinha, fiquei surpreendido com a visita de D.
Manuel ao Centro Catequético de Nazaré, onde, então, eu trabalhava. Nessa
altura, já ele sabia da sua nomeação por Paulo VI como Administrador Apostólico
da Diocese da Beira em substituição de D. Manuel Ferreira Cabral e vinha ao
Centro Catequético da Nazaré, convidar-me para ser o seu Vigário Geral.
Dizia-me que eu conhecia a Diocese; que os grupos de missionários - Franciscanos,
Jesuítas, Padres de Burgos, Padres de Picpus, Padres Diocesanos e as diversas
Congregações Religiosas Femininas - me aceitariam, num momento em que era
necessário trabalhar pela união dos diversos grupos de missionários e missionárias
e pela união dos leigos. De imediato, pedia-me para celebrar a Eucaristia para as
36 Irmãs Vitorianas que assistiam o Hospital Central da Beira e também me responsabilizava
pela capelania do mesmo Hospital.
Respondi-lhe que aceitava o cargo de Vigário Geral,
depois de consultar o meu Superior, Padre Joaquim Leão. Pedia, além disso, a D.
Manuel, para reunir o Presbitério e comunicar aos Padres a notícia da minha
nomeação. Essa reunião teve lugar no dia 8 de Julho de 1971. Fui aceite pelo
Presbitério o que meu deu grande consolação e entusiasmo pelo trabalho que me
era confiado.
Os Jesuítas na Cidade da Beira. Na
minha nomeação para Vigário Geral, num momento tão difícil para a Diocese da
Beira, senti que não estava só, ao aceitar tão grande responsabilidade. Tinha o
aval do meu Superior da nossa Missão de Jesuítas em Moçambique, o Padre Joaquim
Ferreira Leão que residia na nossa comunidade da Paróquia de Fátima, na
Beira. E com ele, nesta comunidade, estavam, também, os Padres Vasco Fernandes,
José Santos, Joaquim Barata e Manuel Gama. Pertenciam, também, à comunidade os
Irmãos Religiosos: José Dias e José Ribeiro. Além desta comunidade, tínhamos a
comunidade de Jesuítas de Matacuane, onde era Superior e Pároco da Paróquia, o
Padre Arnaldo Gomes de Lacerda. Com ele colaboravam os Padres, António Garcia e Fernando Mata. Todos os
membros das duas comunidades de Jesuítas apoiaram o meu trabalho de Vigário
Geral e estiveram sempre do lado de D. Manuel Vieira Pinto, quando este Bispo
quis trabalhar por uma Igreja de base e de pequenas comunidades, onde os leigos
tivessem lugar como Povo de Deus. Uns dias depois, quando se pediu à
Congregações Religiosas ajuda par se assistirem as Missões que haviam ficado
sem os seus Padres, os Jesuítas comprometeram-se a ajudar, a comunidade de
Mafambisse, onde se situava a Açucareira do mesmo nome, a comunidade de
Nhamatanda (Vla Machado) e a Missão da Gorongosa.
A seguir, mãos à obra! D.
Manuel partiu para Nampula depois de combinar comigo, o trabalho mais imediato:
convidar os grupos de Padres para assistirem as missões, donde tinham sido expulsos
os Padres Brancos: Gorongosa, Vila Gouveia (Vila Catandica), Lundo, Chemba,
Murraça, S. Benedito da Manga, Munhava e, ainda, o Centro Catequético da Nazaré.
Pensava escrever uma Mensagem, assinada pelos Presbíteros da Beira, onde
contava referir-se à expulsão dos Padres Brancos, às missões que ficavam sem
Padres. Marcou uma reunião com todos os Presbíteros para se realizar a partir
de 15 de Julho, Depois, sentou-se à mesa e, juntamente comigo, esboçou um rascunho
com os principais tópicos dessa Mensagem. E partiu para Nampula.
Numa certa desorientação que
havia causado no Governo a expulsão dos Padres Brancos de nacionalidades tão
diversas, o Dr. Rui Patrício, Ministro dos Negócios Estrangeiros, veio lançar mais uma acha para
a fogueira, declarando, publicamente, que os Padres Brancos, no momento da expulsão,
tinham deitado fogo à Missão de Munhava e destruído os “carneiros hidráulicos” da
Missão do Báruè, ficando a Missão sem água. Esta mentira do Dr. Rui Patrício
foi desmentida por mim, ao verificar “in loco”, a 300 Kms da Beira, no Barué, com os
próprios olhos, que os “carneiros” estavam inteirinhos e continuavam a abastecer
de água a Missão.
Quanto à Missão da Munhava, tudo estava direitinho e se podia
verificar diretamente, pois a Missão da Munhava era e é um Bairro da Beira e
podia ser vista por todos. As Irmãs de S. José de Cluny, missionárias na
Munhava, ficaram admiradas com a mentira do Dr. Rui Patrício. Recordo-me de ter
comentado com o Senhor Fernando Couto, encarregado na Beira do Notícias de
Lourenço Marques esta afirmação do Dr. Rui Patrício e ele ficou muito admirado.
O senhor Couto era um jornalista prestigiado do Jornal Notícias e era o
pai do escritor Mia Couto. Recordo que ele publicou no Jornal Notícias, alguns
comunicados que a Diocese precisou de tornar públicos para esclarecer certas
posições do seu Bispo (Administrador Apostólico) e dos Padres da Beira acerca do que ia acontecendo.
Mensagem do Conselho de
Presbíteros: D. Manuel regressou à Beira oito dias depois de
se ter ausentado para Nampula. Fazia isto com frequência, porque se sentia
muito responsável pelo múnus de Administrador Apostólico da Diocese da Beira,
que lhe havia sido confiado por Paulo VI. Mas esta visita tinha como motivo
principal a publicação duma Mensagem dirigida ao Povo de Deus para explicar a
situação que se vivia na Diocese.
O Conselho de Presbíteros reuniu-se em S. Benedito
da Manga e D. Manuel assinou, com os Presbíteros, uma Mensagem dirigida ao Povo
de Deus da Diocese da Beira com a data de 15 de Julho de 1971. Nesta Mensagem,
os Presbíteros com o seu Bispo falam da Expulsão dos Padres Brancos, dos
problemas das Missões que haviam ficado sem os seus Padres e afirmam
categoricamente que nada fora queimado ou destruído na Missão da Munhava e de
Inhazónia, no Báruè, contrariamente à afirmação do Dr. Rui Patrício.
Creio que,
com esta Mensagem, a PIDE nunca mais deixou de perseguir D. Manuel e o
considerava “persona non grata” até à sua prisão em Nampula, na Quarta-feira Santa e a sua expulsão de Moçambique, no Domingo de Páscoa no dia 14 de Abril de 1973. Mas também, esta afirmação de Rui Patrício deixava
muito mal o Governo Português e o Primeiro Ministro, Marcelo Caetano.
Visita Pastoral às Comunidades
que haviam ficado sem os seu Padres. D. Manuel viajou comigo com o
Padre Martens, sacerdote dos Padres de Picpus para uma visita às Missões que
haviam ficado sem os Padres Brancos expulsos. Connosco, viajavam, também, duas
irmãs religiosas. Ao longo do Zambeze, visitámos Murraça, Sena, Chemba, Lundo.
Nestas Missões, contactámos com os responsáveis das comunidades e algumas tinham
a Eucaristia ou a Celebração da Palavra. Viemos impressionados com a partilha
das Comunidade no exercício do ministério laical. Tudo funcionava e nada mais concluímos
do que dar ação de graças a Deus porque tudo funcionava e, de agora em diante,
as comunidades, pelo menos de mês a mês, receberiam a Eucaristia, devida à ajuda de todas as comunidades religiosas na assistência às Missões sem Padres.
Uma grande tribulação para D.
Manuel e para a Diocese: a prisão dos Padres do Macuti: Padre Joaquim Teles
Sampaio e Padre Fernando Mendes. A Paróquia do Macúti era, há
uns 50 anos, uma Paróquia, ao norte da cidade da Beira, onde residiam geralmente,
os brancos, em belíssimas habitações, mas havia, também o Bairro do Macurungo, habitado
por uma classe média composta de negros, mestiços, brancos e indianos. As casas
do Bairro do Macurungo eram boas, em alvenaria. O pároco do Macuti era o Padre
Joaquim Teles Sampaio, atualmente, a residir na Santa Casa da Misericórdia, em
Manteigas e o seu coadjutor era o Padre Fernando Mendes.
Não preciso de dizer
muito sobre o padre Sampaio. A sua palavra era profética e denunciava, fortemente,
a guerra colonial com o cortejo de injustiças que a acompanhavam. Mas era
também uma palavra que anunciava a esperança dum Moçambique melhor, descolonizado
e, por isso, a sua palavra era ouvida por todos: moçambicanos e não
moçambicanos. No dia 1 de Janeiro de 1972, o Padre Sampaio fez uma homilia no
Macuit e, por ser o dia da Paz, denunciou a guerra e as suas consequências
nefastas para todos. Esta linguagem do Padre Sampaio incomodava muita gente e
era necessário neutralizá-la. Um dia a Pide armadilhou-lhe uma ratoeira por
causa da Bandeira Nacional. A Bandeira entra ou não entra na Igreja para as
Cerimónias das Guias de Portugal, perguntavam? O padre Sampaio estava a atender
pessoas. Não proibiu a entrada da Bandeira na Igreja, mas apenas respondeu, a quem
lhe perguntava, que se consultasse o Regulamento. Mas logo começou um grande
alarido, gritando alguns que o Padre Sampaio tinha impedido a Bandeira de entrar
na Igreja. Entretanto, por ali se viu o Diretor da PIDE e não foi difícil
compreender que a Polícia tinha armado uma ratoeira ao Padre Sampaio. Na manhã
do dia seguinte aparecem cinco grandes fotos do Padre Sampaio no jornal Diário
de Moçambique encimadas pela palavra: traidor. Este Jornal por falta de
orçamento fora vendido pela Diocese no tempo do Bispo Manuel Cabral e, nesta altura, era seu Diretor o
Engenheiro Jorge Jardim. Passaram alguns dias do episódio do Macuti, mas todos
pensávamos que, mais tarde ou mais cedo, a PIDE viesse prender o Padre Sampaio e
o Padre Fernando. A prisão veio a efetivar-se e os Padres foram levados para os
calabouços da PIDE no Bairro da Ponta Gêa. Depois, foram transferidos para a Prisão da
Machava, em Lourença Marques e, aí aguardaram o julgamento que se veio a
realizar um ano depois, em Janeiro de 1973.
Retiro em Vila Pery (Chimoio). Nem
todos os sacerdotes e, sobretudo algumas irmãs Religiosas, compreenderam o que
havia sucedido e facilmente censuravam os Padres. Mas era preciso aguardar o
julgamento e não proferir acusações apressadas. D. Manuel, Pastor como sempre
foi, marcou um retiro para se realizar no Colégio das Irmãs Franciscana de
Nossa Senhora, em Vila Pery (Chimoio). Esse Retiro foi orientado pelo Padre
Feytor Pinto e aí, em discernimento e oração, todos ficamos mais esclarecidos
e sobretudo reconciliados.
Entretanto, durante os cinco dias que durou o
retiro, D. Manuel encarregou-me de viajar cada dia para a Beira, afim de trazer
noticias acerca dos padres presos na Ponta Gêa. Numa dessas minhas idas à
Beira, juntamente com o Padre Manuel Carreira das Neves, fui falar com o Coronel
Sousa Teles, Governador da Beira e pedir-lhe, em nome de D. Manuel, que pusesse
os Padres fora da prisão, pois estavam inocentes. Notei que não faltava desejo
ao Governador para soltar os Padres, mas sentimo-lo com medo da Polícia
política, na altura, omnipotente e omnipresente. Apesar da boa-vontade, o
Governador tinha as mãos atadas e os Padres continuaram na prisão até serem
transferidos para a Prisão da Machava, uma prisão cheia de presos políticos,
situada junto de Lourenço Marques. Esta era, geralmente, uma prisão para
prisioneiros políticos.
A Defesa dos Padres. Uma
vez na Prisão da Machava, pouco mais nos ficaria do que aguardar o julgamento
que teve lugar, apenas um ano depois, no mês de Fevereiro de 1972. A conselho
do nosso Advogado, Dr. Carlos Alberto Palhinha, convidámos para advogados dos
Padres, os Doutores: João Afonso dos Santos (irmão do Zeca, William Pott e
Pinto Leite. Fomos a Lourenço Marques convidar também o Dr. Adrião
Rodrigues que aceitou de bom grado comprometendo-se a diligenciar tudo o
que fosse necessário para o julgamento, em Lourenço Marques.
Com o Engenheiro Pimentel dos
Santos, Governador Geral de Moçambique. Este encontro foi muito bom. D.
Manuel teve a impressão de dialogar com um homem muito humano e culto. Já
estava a par da expulsão dos Padres Brancos e, também já se tinha inteirado da
prisão dos Padres da Beira. Deu-nos a esperança de que os Padres seriam soltos,
mas foi-nos prevenindo que preparássemos bem a sua defesa, pois no momento presente,
a situação era difícil. Estranhou muito que a PIDE ainda não me tivesse dado licença
para visitar os Padres, apesar de eu todos os dias ir à Ponta Gêa para os
ver. Entretanto, tinha confiança, porque o Governador viria à Beira e eu, logo
à saída do avião, lhe comunicaria o que se estava a passar. No momento da
visita, ainda não tinha licença para ver os Padres e o Governador achou
estranha esta nega da PIDE. Disse-me que faria diligências para eu visitar os
Padres ainda nesse dia e assim aconteceu. Pela parte da tarde veio um Protocolo
da PIDE que eu assinei, onde constava a licença para visitar os Padres.
Visitei-os logo de imediato.
D. Altino Ribeiro de Santana
na Beira. Em Nampula, continuou a
perseguição ao Profeta, D. Manuel. A perseguição na Beira e,
agora, em Nampula, culminou com a expulsão de D. Manuel de Moçambique. A causa
desta expulsão foi tudo o que descrevi até agora. Nunca D. Manuel deixou de
anunciar a justiça e de denunciar as injustiças. Por isso, no dia Mundial da Paz de 1974, pronunciou na sua catedral a homilia Repensar a Guerra. Para
o Governo colonial, a guerra não se podia repensar, mas sim fazê-la. Por aqueles primeiros meses do mesmo ano, assinou o documento dos Missionários Combonianos Um Imperativo de Consciência incidindo sobre a ambiguidade da actividade missionária da Igreja em estreita ligação com o governo e afirmando os direitos do Povo moçambicano à sua identidade própria e autodeterminação.
Como acima deixei dito, na Quarta-Feira Santa desse ano D. Manuel seria preso em Nampula e expulso de Moçambique no Domingo de Páscoa (14 de Abril).
Como sempre, a PIDE não deixou de promover esse alarido para ficar bem na fotografia. Mas o povo não se deixou enganar. Expulso de Nampula, D. Manuel, no exílio (no seu próprio país-natal, Portugal), continuava a ser o seu Profeta querido. D. Manuel foi acompanhado para o Maputo por alguns missionários Combonianos, expulsos de Moçambique e pelo Padre João Cabral que trabalhava com D. Manuel e o acompanhou até Lisboa. Inicialmente, D. Manuel foi viver o seu Exílio na Casa do Senhor João Ribeiro da Costa e sua esposa, no Cartaxo. Ambos tinham feito o Curso do Mundo Melhor. Ali, o visitei umas duas vezes, com o meu primo, Padre Agostinho de Sousa que era o seu Vigário Geral, em Nampula. Deu-se o 25 de Abril e o General Spínola convidou-o para Conselheiro de Estado. Consultou-me e a algumas outras pessoas e todos dissemos que não. Assim poderia preservar melhor a sua vocação profética. Graças a Deus, porque Ele visitou o seu povo e lhe deu um profeta.
Como sempre, a PIDE não deixou de promover esse alarido para ficar bem na fotografia. Mas o povo não se deixou enganar. Expulso de Nampula, D. Manuel, no exílio (no seu próprio país-natal, Portugal), continuava a ser o seu Profeta querido. D. Manuel foi acompanhado para o Maputo por alguns missionários Combonianos, expulsos de Moçambique e pelo Padre João Cabral que trabalhava com D. Manuel e o acompanhou até Lisboa. Inicialmente, D. Manuel foi viver o seu Exílio na Casa do Senhor João Ribeiro da Costa e sua esposa, no Cartaxo. Ambos tinham feito o Curso do Mundo Melhor. Ali, o visitei umas duas vezes, com o meu primo, Padre Agostinho de Sousa que era o seu Vigário Geral, em Nampula. Deu-se o 25 de Abril e o General Spínola convidou-o para Conselheiro de Estado. Consultou-me e a algumas outras pessoas e todos dissemos que não. Assim poderia preservar melhor a sua vocação profética. Graças a Deus, porque Ele visitou o seu povo e lhe deu um profeta.
A Igreja que está no Porto,
em Nampula e na Beira (Moçambique) não podem esquecer essa graça!
Aos oito dias do falecimento
de D. Manuel Viera Pinto, no Porto,
Covilhã, 4 de Maio de 2020
Padre José Augusto Alves de
Sousa S.J.