"Ouvi-me uma vez ainda, homens que chegastes ao limiar do novo ano de 1974. Ouvi-me, repito. Eu quero falar-vos uma vez mais de paz.
(…)
A paz é algo que se deve não apenas manter mas produzir, e produzir a partir da verdade, da justiça, do amor e da liberdade; a partir da consciência política do homem. Não é, por conseguinte, compatível com a “ordem” à custa da verdade, da justiça, do amor e da liberdade; não é repressão, não é medo, não é silêncio, não é morte. A paz é o homem, e o homem é o coração da paz. Daqui a necessidade urgente de tomar o homem a sério se queremos seriamente a paz. E não apenas o homem sem nome, distante, desconhecido, mas o homem daqui e de hoje, o homem que em Moçambique sofre, há quase dez anos, a violência da guerra, e que certamente deseja a paz.
Por isso, falar da paz em Moçambique sem falar lealmente da guerra que o mancha de sangue seria iludir o problema fundamental; seria aumentar a violência. Já o profeta Ezequiel se insurgia contra os falsos profetas que, enganando o povo, afirmavam que tudo ia bem, quando tudo ia mal (Ez. 13.10-16)".
BIOGRAFIA
Manuel da Silva Vieira Pinto, filho de José António Vieira Pinto, proprietário, e de Laurinda da Silva, doméstica, nasceu às 5:10 horas da manhã de Domingo, 9 de Dezembro de 1923, no lugar de Sanguinhedo, na freguesia de Aboim.
Tendo feitos os estudos no seminário da Diocese do Porto, foi ordenado presbítero, na Sé Catedral do Porto, em 7 de Agosto de 1949. No dia 15 de Agosto seguinte, na Igreja Paroquial de Aboim, celebrou a sua Missa Nova.
Iniciou a sua actividade pastoral como coadjutor da paróquia de Campanhã, tendo sido depois assistente diocesano nas diversas associações da Acção Católica e director espiritual do Seminário de Vilar.
Anos depois foi para Roma, onde conhece o famoso Padre Lombardi, fundador do Movimento por Um Mundo Melhor, do qual virá a ser responsável no nosso país entre 1960 e 1967.
A 27 de Abril de 1967, o Papa Paulo VI nomeou-o Bispo de Nampula, em Moçambique. A 29 de Junho, na Igreja da Trindade, no Porto, uma “imensa multidão de fiéis assistiu à sagração episcopal de D. Manuel Vieira Pinto”, anunciava o jornal católico Novidades. Dois dias passados, a 2 de Julho, foi solenemente recebido na Igreja Paroquial da sua aldeia natal, a freguesia de Aboim, que então festejava S. Pedro, o padroeiro local.
Tomou posse da diocese de Nampula em 24 de Setembro desse mesmo ano. Nesse período escreveu diversas cartas pastorais e uma razoável quantidade de reflexões socio-políticas baseadas nos acontecimentos que então se desenrolavam em Moçambique, e de que se destacam «Caminhos de novas estruturas missio-pastorais», «Na hora da viragem» e«Das missões à Igreja local».
Mas os documentos que maior influência tiveram na vida política, social e religiosa da sua diocese e de Moçambique, foram «Repensar a guerra» (Janeiro de 1974) e «Imperativo de consciência» (12 de Fevereiro de 1974) - assinado pelo Bispo e pelos missionários combonianos a trabalhar no Norte de Moçambique (34 padres, 19 irmãos e 41 irmãs).
Aquelas cartas pastorais, o seu firme posicionamento em defesa dos direitos das populações autóctones, a condenação do colonialismo e da guerra colonial, a defesa do direito à autodeterminação do povo moçambicano, valem-lhe a expulsão de Moçambique, a 14 de Abril de 1974, tendo-lhe sido fixada residência no Cartaxo.
Nos primeiros dias após o 25 de Abril de 1974, o General António Spínola convidou-o a integar o Conselho de Estado, o que recusa.
Regressado a Moçambique, foi eleito Presidente da Conferência Episcopal de Moçambique (CEM), em 1 de Janeiro de 1975.
No Moçambique pós-independência, continuou a bater-se pela dignidade, pelos direitos e pelas liberdades do povo moçambicano. Nesse contexto, teve várias entrevistas com dirigentes do país, incluindo os Presidentes Samora Machel e Joaquim Chissano.
Lutou por todos os meios ao seu alcance pelo fim da guerra entre a Frelimo e a Renamo, cujas atrocidades denunciou publicamente. Em Maio de 1984, numa entrevista com o Presidente Samora Machel, falou-lhe abertamente da guerra civil fratricida e propôs-lhe o início urgente de negociações políticas com a Resistência.
Ainda que discretamente, teve um importante papel no processo de mediação e das negociações para a paz em Moçambique. Mesmo depois de realizado o processo eleitoral em Moçambique, encontrou-se com Afonso Diakhama a fim de garantir a aceitação dos resultados eleitorais por parte da Renamo, com o sentido de preservar a paz a todo o custo.
Por ocasião da Homenagem Nacional que lhe foi promovida no Porto, a 31 de Outubro de 1992, pelo Presidente da República Dr. Mário Soares, seria agraciado com a Ordem da Liberdade.
Em 21 de Novembro de 1992, a Câmara Municipal de Amarante atribuiu-lhe a Medalha de Ouro do Município.
De Dezembro de 1992 até Janeiro de 1998 exerceu as funções de Administrador Apostólico de Pemba (antiga Porto Amélia), em Moçambique.
No ano de 1995 e seguintes, tem uma acção destacada na instalação da Universidade Católica em Moçambique, a cuja direcção pertencerá.
Arcepispo resignatário da Arquidiocese de Nampula, com o título de Arcebispo Emérito, desde 16 de Novembro de 2000.
Em 8 de Dezembro de 2003, por ocasião do seu 80º aniversário, foi homenageado na sua terra natal – Aboim (Amarante), por iniciativa do periódico local “Jornal da Terra”. No acto, foi descerrada uma placa comemorativa na casa onde nasceu e o seu nome foi atribuido ao Largo defronte da Igreja Paroquial de Aboim.
Idoso e doente, actualmente reside na Casa Sacerdotal da diocese do Porto, na mesma cidade.