Sabedoria de Noé Nhantumbo




                                Defender é lícito mas tem limites
Beira (Canalmoz) – Tudo menos discutir o “sexo dos anjos”. Sabe-se que muito do que foi feito em detrimento dos interesses legítimos dos moçambicanos aconteceu porque estava montada toda uma máquina para proteger e encobrir actos de si condenáveis. A arrogância e a prepotência, marcas registadas da III República, deixaram as suas marcas em toda a sociedade.

Não se estaria discutindo a partidarização do Estado se AEG não tivesse embarcado na proliferação de células da Frelimo em tudo o que fosse instituição.
Não estaríamos discutindo reintegração militar e desarmamento se Joaquim Chissano tivesse optado por seguir e implementar o AGP na íntegra.

As questões económicas jamais seriam ponto de agenda das discussões inacabadas do CCJC se a lei tivesse sido cumprida e não se verificasse um abocanhamento completo das oportunidades pelas figuras de proa da Frelimo e sua fauna acompanhante.

Houve erros de leitura entre os que eram ontem beligerantes, e isso fez com que hoje voltem a ser beligerantes. Uns talvez tenham julgado que ganhariam as eleições e aproveitariam uma CRM prenhe de inconsistências que agora vimos apoquentam a
democracia efectiva. Outros terão pensado que, entregando alguma coisa ao outro, isso seria suficiente para acalmar os ânimos e deixar o tabuleiro igual a antes.

Também está visto e sabido que os parceiros internacionais jogaram o seu papel para os desfechos que houve num passado recente. Águas passadas não movem moinhos, diz o ditado.

O cenário é de beligerância movida por forças que ainda não acreditam que perdoar e reconciliar é o caminho a seguir.
É neste cenário de “águas turvas” e porque aparecem ou surgem muitos “pescadores” tentando apanhar o “maior peixe”. As investidas em defesa disto e daquilo na comunicação social e nas redes sociais às vezes roçam o inconcebível, sobretudo quando as defesas são arquitectadas e implementadas por titulares de diplomas universitários e pessoas exercendo cargos de docência universitária.
Há que protestar sempre que gente esclarecida se coloque contra a paz em Moçambique. Que alguém entenda defender isto ou aquilo, desta ou daquela parte, isso é lícito e aceitável, mas que não o façam em detrimento da paz e estabilidade em Moçambique.
Não queremos ver Moçambique transformado em país de exilados políticos, porque o regime do dia não aceita conviver com críticos, como está, paulatinamente, acontecendo.

Um dos “dossiers” que deve ser discutido entre os partidos armados, Frelimo e Renamo, porque possuem departamentos de segurança, é como fazer para interromper a violência contra civis, como travar as acções de sequestro, rapto e assassinatos que se têm verificado. É potencialmente perigoso e explosivo conviver com situações do género, porque personificam a
existência de comandos independentes ou comandos fora do controlo. Nenhum partido quer ver os filhos e familiares dos dirigentes vivendo no medo, ou ter que emigrar, porque não há segurança e defesa da sua integridade física.

Os moçambicanos venceram a tirania e o totalitarismo e não faz sentido que hoje se regresse
ao Estado policiado do passado.
Neste momento em que se travam batalhas políticas e militares, convém que os políticos consigam frear as suas forças militares no sentido de facilitar o diálogo e sinalizar que existe vontade política forte de que tal aconteça.

Cabe aos líderes agora beligerantes associarem-se com as franjas favoráveis a entendimentos políticos dos seus partidos e isolarem de maneira efectiva aqueles que pretendem impor soluções militares ou militarizadas não exequíveis.

Se algo que temos de aprender é que a guerra acaba na mesa de negociações e por isso não vale repetir morticínios só porque se descobriu um pouco de gás ou de rubis.
Um dos entendimentos do CFJC terá sido que houvesse contenção na comunicação social quanto à utilização de linguagem e conteúdos ofensivos sobre as partes discutindo na mesa. É de todo indesejável que se desenvolvam comentários incendiários neste momento tão grave da nossa história.

Aqueles que se escondem atrás de diplomas universitários e títulos e na calada na noite promovem campanhas incendiárias no Facebook ou em órgãos públicos de comunicação social
são conhecidos, e alguns deles vivem de salários públicos.
Uma coisa é desenvolver uma narrativa crítica, e outra bem diferente é entrar para o insulto barato e incaracterístico de quem se pretende académico. Outra ainda bem diferente também é
pretender aparecer como proprietário de toda a razão e da verdade, como se isso fosse possível.

Não queremos lixívia derramada sobre a juventude moçambicana que não conheceu os dias tenebrosos de ontem, em que irmãos desavindos serviram de carne para canhão em guerras de terceiros.

Com um pouco de cultura democrática e sobretudo com patriotismo será mais fácil tirarmos as vendas que nos cegam e a instrumentalização ideológica a que fomos sujeitos durante
décadas. Não somos inimigos, mas sim adversários políticos que podem e devem resolver
as contendas de forma aberta transparente e democrática. E afinal para vantagem de todos.

Não coloquemos Moçambique como pasto fácil e barato de organizações governamentais
estrangeiras nem de organizações não-governamentais estrangeiras, como está acontecendo.
Os contratos ao desbarato assinados para explorar gás em Pande e Temane, as tarifas irrisórias que enriquecem a África do Sul através da energia de Cabora Bassa não se repitam em Palma nem na exploração de ouro ou ferro ou urânio.
A riqueza nacional não pode ser campo exclusivo da nomenclatura e dos “moços de recado” que
ganham bolsas de estudo e depois defendem incansavelmente os seus mentores como se fossem deuses.
Convém dizer e repetir que não teremos paz duradoura por via de imposições e de
atropelos às regras do jogo democrático.
(Noé Nhantumbo)