quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Comissão Nacional de Eleições de Moçambique

  

Comissão Nacional de Eleições

O Bispo Carlos Matsinhe, da Igreja Anglicana / Diocese dos Libombos,

é o Novo Presidente 

 
“A eleição de Dom Carlos Matsinhe veio confirmar uma tradição antiga no órgão, segundo a qual a CNE é liderada por personalidades com ligação à igreja. Da presidência da CNE passaram Brazão Mazula (católico); Arão Litsure (evangélico), Jamisse Taimo (metodista) e Abdul Carimo Sau (muçulmano). https://cartamz.com/index.php/politica/item/7015-)”. 
 
             No entanto, sejamos claros, Brazão Mazula portou-se sempre, e bem, como cidadão e nunca evocou ou exibiu a sua identidade religiosa de membro empenhado e lúcido da nossa Igreja católica. O mesmo já não se pode dizer do senhor Abdul Carimo que, em vez de aparecer como cidadão igual a qualquer outro cidadão, sempre exibiu a sua identidade religiosa pelas vestes que sempre ostentou o que, diga-se em abono da verdade, pelo seu mau desempenho, certamente mais prejudicou o islão do que o beneficiou. 

Não foi com optimismo que recebi a notícia desta escolha do Bispo Matsinhe. E como disse Fernando Mazanga ao propor um outro candidato, não porque tenha o que quer que seja contra a pessoa em si. Não a conheço nem ela a mim. Mas fico de pé atrás e com alguma desconfiança.
 
        Porquê? 
 
      1º Segui na Rádio Moçambique a reportagem do acto de posse. Estive bem atento e surpreendido pelo discurso do PR. Mais uma vez, custou-me escutar o retórico tratamento protocolar. Tal como se passa na Assembleia República, a auto-proclamada “Casa do Povo” (será do Povo uma casa onde se aprovaram as dívidas ocultas que pioraram a sua vida?), todos tratados por "Excelências"! Mas como posso eu reconhecer excelência sem esquecer a venalidade com que a anterior CNE se comportou até aprovando a indiscutível megafraude que beliscou incontornavelmente a legitimidade do governo dela resultante, burocraticamente legalizado pelo Tribunal Cnstitucional? Não fora este lúgubre pano de fundo e daria também os parabéns ao discurso do PR, cheio de boas intenções e ainda melhores conselhos... Para não chamar nomes feios, mas adequados, direi tão somente "Bem prega S.Tomás! Faça-se o que ele diz e não o que ele faz". 
 
 2º É evidente que o PR ao fazer-se de tão exímio “catequista político” mostra saber bem o que têm sido as eleições deste extenso país com a esperança e a paz sempre adiadas, em boa parte porque, como é hoje largamente admitido na opinião pública nacional e internacional, as eleições nunca foram justas, livres e transparentes. Como deviam ter sido. O poder dominante arranjou sempre traficâncias para se manter no poleiro. O auge, foram as últimas, as de 2019 
    
   3º Surpreende-me esta insistência em querer escolher pessoas ligadas a instituições religiosas. A experiência nos tem mostrado que elas acabam por ser instrumentos de uma cosmética de pretensa ética eleitoral que não evitaram a imoralidade sobejamente conhecida tanto nacional como internacionalmente. Basta de cosméticas religiosas. Haja verdade, sinceridade e justiça transparente.

   4º No entanto também não concordo nada com as razões invocadas por Fernando Mazanga para desaconselhar o voto no Bispo Carlos Matsinhe. As razões de Mazanga fazem-me lembrar o tempo colonial português, do ditador Salazar, que também achava que o lugar dos padres e dos bispos (e logo de todos os católicos) era na sacristia e nada de se meterem em política. Como o Bispo Manuel Vieira Pinto, com muitos de nós, assim não entendia as coisas, acabaria por ser expulso desta então colónia portuguesa. E, com ele, 11 missionários combonianos, porque se atreveram a meter-se em política ao declararem que nesta terra existia um povo com culturas próprias e com direito à autodeterminação.

     Justamente por sermos ministros/servidores do Povo cristão, também parte do Povo cidadão mais amplo, é que temos de nos meter em tudo o que de humano se reclame, mormente quando o que está em causa é o Bem Comum em todas as suas facetas, com realce para as questões da Justiça e da Paz. Para um homem de fé sobrenatural não há coisas mundanas proibidas. Se se trata de valores, há que participar no seu fomento. Se, pelo contrário, se trata de anti-valores – corrupção, desonestidade eleitoral, compadrios, nepotismos, etc - erros e pecados - aí estamos no combate. Veja-se a Evangelii Gaudium do Papa Francisco: Uma fé autêntica – que nunca é cómoda nem individualista – comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois da nossa passagem por ela (EG, 183).... Peço a Deus que cresça o número de políticos capazes de entrar num autêntico diálogo que vise efectivamente sanar as raízes profundas e não a aparência dos males do nosso mundo. A política, tão denegrida, é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum (EG, 205)”. Foram estas as palavras que, no dia 30 de Novembro de 2014, referi ao "eleito" Presidente da República,  em Nangolo, sua terra-natal. Nesta óptica até daria os parabéns ao Bispo Matsinhe.

      5º Mas não dou porque sinto que, desde já, a sua candidatura e eleição para a CNE, fere, de alguma maneira, a constitucionalidade deste país de clara opção laica, isto é, de separação das Igrejas e do Estado. Com esta escolha de uma figura de proa de uma Igreja, tenho a sensação de estarmos a regressar também à lógica do tempo colonial em que uma Igreja, a católica, era justamente acusada de ser demasiado suporte do governo. Será que o Conselho Cristão de Moçambique, que, segundo a imprensa, promoveu a candidatura do Bispo Matsinhe, quer ocupar o lugar da católica no tempo colonial? É um risco.

     Estou certo de que um Bispo da Conferência Episcopal de Moçambique, não aceitaria esta função. Impõe-se, como tão sabiamente o mostrou o saudoso Manuel Vieira Pinto, marcar com nitidez a separação das Igrejas do Estado enquanto criteriosa atitude libertadora. Manter a liberdade profética como o vem demonstrando o Bispo de Pemba, Luíz Lisboa, diante das realidades do mundo, é um sábio serviço que se presta ao povo e aos políticos dispostos a acolher e a ouvir as inspirações do Alto!

6º Perante a experiência negativa dos processos eleitorais de todo o tempo da almejada democracia multipartidária, creio que já era tempo de:

6.1. Despartidarizar, de uma vez para sempre, este importantíssimo e nuclear órgão de intervenção eleitoral. Mas parece que os partidos de assento parlamentar estão muito ciosos das suas prerrogativas e, portanto, não só a Frelimo, mas também a Renamo e o MDM, têm culpas nos atrasos que se verificam na purificação da política deste país;

6.2. Despartidarizar a CNE significaria encontrar o mecanismo capaz de entregar às forças várias da sociedade civil (e felizmente temos várias bem credíveis em Moçambique) o processo da sua eleição. Tanto quanto me dou conta, na agora constituída, os partidos parlamentares continuam a ter a maioria dos elementos, o que me parece já não se justificar, 27 anos depois das primeiras eleições multipartidárias de 1994.

6.3. Encontrar uma personalidade de indiscutível perfil e idoneidade, independentemente das suas opçõe políticas pessoais, partidárias ou não. Por exemplo, durante o processo que culminou nas autárquicas de 2018, vimos a nobreza e o rigor das intervenções do Dr Teodato Hunguana. E certamente que não só este militante da Frelimo, como outros do mesmo partido, terão uma consciência que funciona muito acima dos interesses pontuais do seu partido. E certamente que na Renamo e no MDM poderá haver pessoas que ombreiem com o Dr Teodato. Não me parece que seja impossível credibilizar a presentemente totalmente descredibilizada CNE.