domingo, 2 de março de 2014


Política – Uma forma preciosa de caridade – Papa Francisco, EG, 205

Regresso a Moçambique onde o ambiente político está intensamente aquecido pela sucessão do Presidente Guebuza que, com inteligência e sagacidade, domina o palco mediático do país com a desusada iniciativa de apresentar três pré-candidatos à candidatura da sua sucessão na Presidência da República nas próximas eleições de Outubro.

Para lá dos independentes que, oportunamente, possam surgir, já sabemos que se conta com os outros dois candidatos “naturais”: Dlhakhama (pela Renamo, que já se terá arrependido de não ter concorrido às autárquicas de Novembro passado) e Daviz Simango (do MDM).

Eu sempre ouvi dizer que, segundo os Estatutos da Frelimo, o candidato à PR é o Presidente do Partido. Não o podendo ser por imperativos constitucionais (não admissão a um terceiro mandato, como é, agora, o caso), o assunto poderia ser resolvido tal como, creio, foi em 2004: alteraram-se os Estatutos substituindo Presidente do Partido por Secretário Geral e, actu continuo, promoveu-se a substituição do SG pela personalidade que, entretanto, se manifestara apetente pelo alto cargo do País: Armando Guebuza. É certo que, naquela altura, também houve alguma encenação de eleição, mas tudo ficou muito interno e longe desta ribalta mediática que, nestes dias, tem  trazido o país suspenso sobre o presente e o futuro.

Esta opção pelo mediatismo nacional teve uma vantagem: revelou um pouco mais as clivagens ou divisões que vêm atravessando o Partido Frelimo. Surgiram contestações às opções políticas de Guebuza que se traduziram no reaparecimento de figuras que tinham sido remetidas à prateleira: Aires Ali e Luiza Diogo, de forma retumbante, e Eneas Comiche e Eduardo Mulembwe de forma mais discreta. Isto dá mostras de que, também no Partido Frelimo, há reservas morais e políticas que podem viabilizar caminhos de melhores respostas às esperanças do povo do que os calcorre-ados por Gebuza, nos últimos anos.

Finalmente, na noite de ontem para hoje, 2 de Março, num acto eleitoral interno do Comité Central, o país assistiu a um exercício de democracia que me pareceu bem mais sadio do que o arcaico centralismo democrático de que a indicação dos três primeiros pre-candidatos, - Pacheco, Vaquina e Nhussi - foi, parece-me, uma derradeira tentativa. Claro que o resultado final não surpreendeu, tendo em conta a correlação de forças em presença. 

Dou parabéns àqueles que, pela sua coragem política, terão contribuído para imprimir a este processo, dentro da Frelimo, alguma pureza e transparência política. Nhussi, vai ser candidato, tanto quanto me parece, também por algum mérito pessoal, depois de se ter confrontado tanto com os 2 colegas integrantes do seu governo (sendo um deles o seu PM e tendo em conta que, realmente, o governo é do PR) como Aires Ali e Luísa Diogo das ditas facções distintas. Esta confrontação que chegou a ser opinada, na TVM, por gente da Frelimo, nos intervalos mediáticos, como lição também para os outros partidos - que atrevido complexo de superioridade! - foi, pelo menos, um exercício interno de alguma democracia... Já se sente que nem tudo é monolítico, o que é muito bom.

Desejo ao candidato Filipe Nhussi uma caminhada de irrepreensível honestidade política. Prestará um grande serviço ao país se a este assunto der muitas das suas energias rumo à almejada vitória. Que ela, sendo-o, venha a ser irrepreensivelmente justa!

Como sabemos, é bastante consensual que os grandes atributos universalmente requeridos para eleições – Livres, Justas e, sobretudo, Transparentes – não têm passado de palavrório no Moçambique pluripartidário. Com mágoa o digo, porque o constatei, eu próprio, quando ainda andava ingenuamente convencido de que haveria decência política bastante para tornar inviáveis falcatruas eleitorais como aquelas que, agora, o Conselho Constitucional divulgou. O caso das autárquicas do Guruè é a prova emblemática de que, com razão, o Partido Frelimo (onde está a maioria dos meus amigos e companheiros de caminhada política desde que cheguei a Moçambique em 1968) está sob suspeita. O que é muito triste!

Espero que Filipe Nhussi, como cristão católico que é, para bem de todo o Povo moçambicano (do Rovuma, donde ele é oriundo, até ao Maputo, onde se rege a sorte do país) leve muito a peito todas as palavras do Papa Francisco na sua recente Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho), mas, muito especialmente, as que dizem respeito à Política:

Peço a Deus que cresça o número de políticos capazes de entrar num autêntico diálogo que vise efectivamente sanar as raízes profundas e não a aparência dos males do nosso mundo. A política, tão denegrida, é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum.[174] Temos de nos convencer que a caridade «é o princípio não só das micro-relações estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo, mas também das macro-relações como relacionamentos sociais, económicos, políticos».[175] Rezo ao Senhor para que nos conceda mais políticos, que tenham verdadeiramente a peito a sociedade, o povo, a vida dos pobres. É indispensável que os governantes e o poder financeiro levantem o olhar e alarguem as suas perspectivas, procurando que haja trabalho digno, instrução e cuidados sanitários para todos os cidadãos. E porque não acudirem a Deus pedindo-Lhe que inspire os seus planos?Estou convencido de que, a partir duma abertura à transcendência, poder-se-ia formar uma nova mentalidade política e económica que ajudaria a superar a dicotomia absoluta entre a economia e o bem comum social. (Evangelii Gaudium, 205)