Viagem do
Papa a Moçambique
Quem
sonegou a informação?
Se, como se diz nos círculos diplomáticos vaticanos, o Papa não
costuma visitar um País em ano eleitoral; se os Bispos de Moçambique não
concordam com a visita na data agora aprazada, dá para perguntar: quem enganou
o Papa Francisco?
Desde que começou a ser insinuada a hipótese desta visita
neste ano, pensei que ela se não concretizaria, por motivos politicamente
evidentes para toda a gente.
Mas, também porque, pensava eu, o convite do PR não seria
suficiente se ao seu se não juntasse o dos Bispos desta Igreja local. Porém,
alguém me advertiu que este já lá estava, na fila de espera, desde 2016, como,
certamente, os de muitas outras conferências episcopais do mundo inteiro, aguardando
oportunidade. E, neste caso é a (in)oportunidade da data o que está mais
em questão.
Mas, afinal, contra
todas as opiniões sensatas que ouvi de dentro e de fora da Igreja Católica, ela
aí está: 4-6 de setembro, em plena campanha para as eleições gerais de 15 de outubro seguinte.
Contra a opinião da maioria das pessoas com capacidade crítica e livre,
incluindo algumas do Partido Frelimo (o grande beneficiário desta visita),
também por razões óbvias.
O mesmo exprimiram uns whatsapistas jovens licenciados que
criticaram asperamente a decisão da visita logo que o P. Giorgio, Pároco da
Catedral do Maputo e membro da Comunidade de Santo Egídio "levantou a lebre" em
março e eu já publiquei em texto anterior: “Embaraçados estarão alguns
bispos e padres que não gostariam que se associasse este governo ilegítimo com
o Papa. Mas, como padres, terão de fingir que está tudo bem. É o politicamente
correcto a imperar!” (http://mkt.setemargens.com/vl/69705b09efbbaad918504-303a59924a71d55dd7-e1Le5tWWe1F80ecdfa3d6c52
Eu nunca sigo o politicamente correcto, mas aquilo que a minha
consciência de homem cristão me impõe. Dói-me os olhos da cara ver o meu
querido Papa Francisco, para mim um regresso do Bom Papa João e de Manuel
Vieira Pinto, Visionário de Nampula, nesta embrulhada.
Que os Bispos de Moçambique não foram devidamente consultados
e dela não estavam à espera nas datas agora definidas é bem sabido e evidente. O
recente comunicado da CEM sobre este assunto não passa de “um chover no
molhado”. Qualquer um de nós, cristão e cidadão consciente, poderia elaborar
tal comunicado no seu conteúdo fundamental. Mas, obviamente, os Bispos não têm
como manifestar a sua discordância. Têm de se resignar e fazer, agora, o melhor
que podem para não desmerecer do Papa Francisco, o grande Profeta dos nossos
dias, quase a única autoridade moral do mundo inteiro.
Mas então, como se chegou aqui?
É claro que esta visita se concretiza pela diligente
diplomacia do Governo da Frelimo que soube tocar os cordelinhos com sagacidade
e a costumada esperteza da raposa. Logo que o Presidente Nhussi conseguiu
penetrar no Vaticano em setembro de 2017, à presença de Francisco, vislumbrei
que este seria o desiderato último. Necessitada como está de engraxar a sua
imagem socio-económica e política, todas as pomadas seriam poucas. E a conhecida
resiliência da Frelimo venceu, mais uma vez, como tem vencido em todas as
alegadas fraudes eleitorais e, porventura, vai vencer mais uma, em outubro deste ano, mas agora
indulgenciada pelo Papa Francisco.
Dá para perguntar: quem foram os aliados da Frelimo nesta
decisão inesperada e polémica?
Se, há dois meses atrás, ainda podíamos apenas
especular, agora, que o Presidente esteve de visita à Itália, tudo ficou claro. Pelas
redes sociais, a recepção ao Presidente na Comunidade de Santo Egídio teve
tanto relevo, ou mais, do que os outros actos da mesma visita.
Dá para
perguntar: a quem quer beneficiar Andrea Ricardi, o fundador da dita
Comunidade? Quer mesmo servir a causa de todo o Povo de Moçambique e todas as
suas forças políticas rumo à Paz efectiva? Ou tomou partido? E que proveitos
tira desta partidarização?
Foi o Padre Giorgio
Ferreti que acima refiro, membro da mesma Comunidade de Santo Egídio quem, em
março, começou a levantar a ponta do véu anunciando em jeito de notícia rara:
“vou revelar-vos um segredo. Ainda neste ano teremos o Papa Francisco
connosco”.
Logo de imediato, o Arcebispo do Maputo, Francisco Chimoio,
interpelado por uma TV disse não saber de nada. Perante isto, pergunto onde
está a Colegialidade Episcopal tão cultivada pelo Papa Francisco em
todos os seus documentos maiores?
Quem é que se omitiu e não o informou
convenientemente? Quem é que o empurrou para uma visita tão polémica?
Fica, pois, claro que a Comunidade de Santo Egídio, nem sempre
vista com bons olhos por muitos bispos incluindo alguns de Moçambique (vivos e
defuntos), pesa muito mais, nos circuitos diplomáticos vaticanos, do que os
nossos Bispos.
É pena que outros diplomatas, bem conhecedores da situação
política de Moçambique, não tenham feito a sua obrigação de esclarecer
convenientemente o Papa Francisco.
Nas redes sociais continuam a aparecer textos acirrados, críticos
e discordantes.
Aventam até críticas ao Governo por alegadas imposições e
restrições à movimentação do Papa em território moçambicano como, por exemplo,
a impossibilidade de tocar a Beira, sacrificada pelo ciclone Idai; refere-se
ainda que o papa Francisco tenha de ficar hospedado no Hotel Polana, o mais
caro do Maputo, e a expensas da Conferência Episcopal em vez de ficar na casa
do seu representante neste país, a Nunciatura Apostólica; ou numa casa da
Igreja local como a residência do Arcebispo do Maputo ou até, como, se bem me
lembro, à semelhança do Papa João Paulo II, que ficou, humildemente, na casa da
Paróquia de Sto António da Polana em 1988. Não seria mais conforme à imagem de
Papa dos pobres que Francisco nos vem transmitindo de si próprio desde que
chegou ao ministério petrino?
Aí está uma visita só desejada pela Frelimo, na data prevista. As demais forças políticas sofrem o constrangimento de
ter de a suportar porque, evidentemente, tal como os Bispos, também não podem
manifestar-se contra uma personalidade gigante como o Papa Francisco. Mas, até
este momento, ainda não vi nenhuma manifestação de regozijo de qualquer outro
partido.
Só a Frelimo, natural e compreensivelmente, vai aproveitando desta
visita conforme os seus desígnios. Usa e abusa do acontecimento, quase
quotidianamente, sobretudo nas governamentais Rádio Moçambique e TVM, pondo até gente simples do povo, de
dentro e de fora do país, a repetir a mesma retórica que está na capulana
alusiva - Paz e Reconciliação! Chega até ao descaramento de aproveitar a ida de
políticos seus às igrejas como aconteceu no caso abaixo reportado, com
indignação, por um telespectador, pessoa de respeito e prestígio profissional e
político:
“Em parangonas, a TVM titula, no TELEJORNAL do dia 1 de
Julho: "Sobre a visita do Papa a Mocambique, católicos da Matola alinhados
com o governo". Sustentando a notícia, a presença do governador da
província do Maputo, Raimundo Diomba, e esposa, na Eucaristia de Domingo, 30 de
Junho. O governador discursou, mobilizou e com a esposa cumprimentou os fiéis,
um a um, no final da missa. Na verdade, uma campanha eleitoral patrocinada por
um Papa, ou seja, em ritmo Concordata!”
Mas o Bispo de Pemba, Luis Lisboa, é bem corajoso e explícito
na sua Carta ao Povo de Cabo Delgado, que rapidamente se repercutiu por
todo o mundo:
“...levamos mais de um ano e meio num ambiente no
qual é difícil pensar e falar para o povo de “esperança, paz e reconciliação”
quando vamos receber a Visita do Santo Padre. Enquanto o povo estiver
instrumentalizado por poderes ocultos que pretendem impor os próprios
interesses, não haverá paz, nem reconciliação, muito menos esperança”.
E como Deus é perito em “escrever direito por linhas tortas”
todos rezamos para que, perante a inevitável visita, ela não redunde só em
louros a favor do Presidente Nhussi e do seu partido, como bem se depreende
também das palavras do mesmo bispo na referida carta:
“Esperamos poder
oferecer-lhe os frutos de uma política ao serviço da paz”.
Para bom
entendedor, meia palavra basta!
Acostumados à coragem do Papa Francisco, estão eles, os
Bispos, e estamos todos nós, na expectativa de ver como o Papa vai “descalçar a
bota” e chamar às coisas pelos seus nomes de forma que a sua visita seja, de facto, apesar
do espartilho político em que o enredam, um relevante serviço pastoral à Igreja
e ao Povo de Moçambique.
Vai consegui-lo? Não acredito muito que os limites da boa
educação diplomática lhe permitam “chamar aos bois pelos nomes”. Mas se o
conseguir, celebrarei mil missas de acção de graças!
Fico, pois, na expectativa das palavras e dos gestos do Papa que,
como Manuel Vieira Pinto, sempre tem capacidade de nos surpreender. Mas não creio que
no espartilho da diplomacia, o Espírito Santo consiga contornar os malefícios
de uma viagem que deveria ser 100% do agrado de todas as forças políticas, de
todos os crentes, e, dada a credibilidade mundial do Papa Francisco – o único
líder mundial digno desse nome – de todos os cidadãos deste País.
A ver vamos.
Fico expectante! (Zé Luzia)