segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Carlos Cardoso - 20 anos de Páscoa

 Carlos Cardoso - 20 anos de Páscoa


 
  
Não éramos muitos. Talvez menos de 100. Se fôssemos 1000 ainda seríamos poucos . E mesmo dez mil ainda não seríamos suficientes para celebrar uma herança de um companheiro de caminhada e militante das nossas causas nobres, sacrificado pela causa da nossa liberdade.

Senti a falta de tantos. Admirei-me com a ausência de muitos dos nossos lutadores destes dias. Tão anormal! E na curta marcha - no meu caso meditativa - dos poucos que não hesitámos em ser o resto fiel da trincheira contra o medo, rentabilizando o legado do Carlos Cardoso, perguntei-me: porquê tão clamorosa ausência dos amantes da liberdade? Da liberdade de imprensa! Da liberdade e da honestidade eleitoral? Da liberdade de pensar e opinar? Enfim da NOSSA LIBERDADE? Porquê tantas ausências?

Também aqui a o COVID 19 pode ter culpas? Ou será o já endémico medo que vai tomando conta de uma sociedade onde muitos, muitos, muitos, já se resignaram a comer "o pão que o diabo amassa"?

A seguir, com a devida vénia e agradecimento, transcrevo da DW:

20 anos após o assassinato do jornalista moçambicano Carlos Cardoso

NNeste domingo (22.11) completam-se 20 anos do assassinato do jornalista moçambicano Carlos CCardoso, considerado um dos mais destemidos e destacados profissionais da área de comunicação ssocial no país.

Jornalistas ouvidos pela DW África consideram que a morte de Carlos Cardoso não impediu que o jornalismo investigativo avançasse em Moçambique - ele inspirou também muitos profissionais a abraçarem esta área.

Carlos Cardoso encontrou a morte ao ser alvejado com uma rajada de metralhadora dentro da sua viatura, numa zona nobre da cidade de Maputo, depois de terminar mais uma jornada de trabalho no Jornal Metical, o então diário mais popular de Moçambique.

O assassinato aconteceu numa altura em que Cardoso perseguia as pistas de uma fraude no ex-Banco Comercial de Moçambique, avaliada, na altura, em 14 milhões de dólares americanos. Em conexão com o caso, foram julgados e condenados seis réus a penas que variam entre 23 e 28 anos de prisão.

Cardoso destacou-se também ao opor-se ao Governo para o encerramento da indústria do cajú no país, impostas pelo Banco Mundial, que lançaram milhares de trabalhadores ao desemprego.

A data em que Moçambique relembra os 20 anos do assassinato de Carlos Cardoso, está a ser marcada pela publicação de depoimentos de jornalistas nos média. Não apenas fala-se sobre o seu trabalho e o particular legado para o jornalismo investigativo. O ponto mais alto desta celebração é um velório no local em que ocorreu o seu assassinato.

"É proibido pôr algemas nas palavras"

20 Jahren Nach Tot der Jornalist Carlos Cardoso O local onde Carlos Cardoso foi assassinado

 

quinta-feira, 16 de julho de 2020

AFRICA - Aonde Vais?





Africa: aonde vais? - 1
Guinea Bissau | Coronavirus | Politiker





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A vergonha de África!
52 anos depois de ter chegado a África como jovem aventureiro e missionário, nos derradeiros anos do colonialismo português, sinto que, por mais que hoje me esforce por cultivar o optimismo, o que cresce, sub-repticiamente, em mim, é o afropessimismo.

Sinto uma raiva danada por ter de me conformar com os ditos dos colonos portugueses (com honrosas e numerosas excepções) que nos anos pre-independência de Moçambique, falavam de todo  o perjúrio que se possa imaginar a respeito dos negros. E também dos ditos de muitos velhos negros (os poços de sabedoria africana!) que nas nossas horas de euforia libertária, rumo à independência, desabafam descrentes “Esta nossa pele...!”.

Hoje, podemos justificadamente perguntar “Quo vadis Africa?” / “Para onde vais África?”

Hoje, retenho aqui simplesmente esta referência da Guiné-Bissau que continua a dar mostras de um estado falhado, onde a lei ´vai sendo sistematicamente deitada no caixote do lixo, e com a aprovação das organizações internacionais africanas como a CEDEAO e a UA-União Africana, que pretendem ser expoentes do desejado e tão propalado Orgulho Africano.

Pobre África, que nos mais de 50 anos de independência não tem, praticamente, um estado digno de crédito e vem assassinando muitos dos seus esperançosos líderes como Patrice Lumumba, Thomas Sankhara, Eduardo Mondlane, Samora Machel, para já não falar da desastrosa Purga Angolana logo nos alvores da sua independência.

Como pode a CEDEAO ter o desplante e a falta de vergonha de aplaudir um governo ilegítimo, nomeado por um Presidente irregular que se arvorou em tal fora do ordenamento do seu próprio País, não esperando pelo veredicto do Supremo Tribunal do SEU País!

Que bagunça é esta?É assim que os Africanos querem ser tidos e considerados seja onde for?

O PAIGC pode ter muitos defeitos. Mas tentou fazer funcionar as instituições nacionais. Por que se lhe não dá a devida consideração?

sábado, 27 de junho de 2020

Da Vida e da Páscoa do Arcebispo Manuel Vieira Pinto





Testemunho do Padre José Sousa, SJ







Este padre não precisa que eu o apresente. Ele o faz por si mesmo quando escreve sobre a sua espantosa experiência pastoral em Moçambique que já tem registada em repetidas publicações, particularmente no seu livro de memórias.

No livro Manuel Vieira Pinto - O Visionário de Nampula deixou, a meu pedido, bem patente a sua devoção a este invulgar Bispo, passado definitivamente a Deus no passado dia 30 de Abril.

A este propósito, e com o intuito único de deixar o seu testemunho bem personalizado nas mãos do actual Bispo do Porto, Manuel Linda, escreveu o texto que aqui deixo e que lanço na rede como muita alegria.

Estaremos a fazer sempre pouco do muito que nos resta para embarcarmos activa e eficazmente na barca do Papa Francisco por "Uma Igreja desclericalizada" ou, como diz o título de um dos meus livros, "Uma Igreja de Todos e de Alguém", nascidas na "Igreja das Palhotas" editados pelas Irmãs Paulinas

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D. MANUEL VIEIRA PINTO, BISPO DE NAMPULA E  ADMINISTRADOR APOSTÓLICO DA DIOCESE DA BEIRA, UM PROFETA PERSEGUIDO E SOFREDOR

Por diversas vezes, fiz referência a D. Manuel Viera Pinto nos livros por mim, escritos: Resenha Histórica da Diocese da Beira; A Igreja e a Paz em Moçambique; 500 Anos de Evangelização em Moçambique (um livro escrito por  mim e pelo Padre Francisco Correia, Jesuíta) e, nos meus dois últimos livros: 44 Anos dum Jesuíta Missionário em Moçambique e, ultimamente, As Minhas Memórias Mais Recentes. 

Convivi com D. Manuel na Diocese da Beira, onde era Administrador Apostólico por resignação de D. Manuel Ferreira Cabral e eu, como seu Vigário Geral, por ele próprio, nomeado. Não tenho receio de lhe chamar um Profeta Perseguido e Sofredor, pois algumas vezes, fui testemunha da sua confidência, quando desabafava. “Sousa só vivemos em cheio o problema de Moçambique, quando Bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas, leigos responsáveis, sofrermos juntos por Moçambique, pelo homem moçambicano e não moçambicano…” 

Eu ia-lhe dizendo que isso era quase impossível, no tempo se dizia, utopia, mas ele estava muito convencido e sentia-lhe uma grande coragem, quando alguém se colocava ao seu lado. Por isso, me chamava sempre para estar ao seu lado, quando ele pegava na caneta e escrevia algumas das suas Mensagens ou Cartas Pastorais. 

Era admirável, com uma letra igualmente admirável, saindo tudo à primeira, quase sem necessidade de reescrever a frase! 

Mais adiante referir-me-ei a um bom grupo de portugueses e também alguns moçambicanos que, nos momentos de maior perseguição, vinham falar com ele à casa diocesana. Antes de entrarem para dentro de casa, olhavam para todos os lados, pois ela estava fortemente vigiada pela PIDE. Estes leigos responsáveis traziam notícias, e, sobretudo, palavras de consolação. E davam-nos um grande conforto. 

Vinham também jornalistas, tanto do Diário de Moçambique, como do Notícias de Lourenço Marques que nos contavam as reações dos jornais sobre a expulsão dos Padres Brancos e mais tarde sobre o Julgamento dos Padres do Macuti, Padres Sampaio e Fernando, e das pressões a que estavam sujeitos os missionários e missionárias.

Ontem, dia 1 de Maio, recebi por um e-mail do Padre Zé Luzia, a notícia do falecimento de. Manuel Viera Pinto. Desde há muito, o acompanhávamos na sua fragilidade e sempre perguntávamos notícias a quem o visitava, pois, embora assim fragilizado, gostávamos de o ter connosco como testemunho vivo dum Pastor que nunca se poupou a nada, arriscando a própria vida, como a arriscou, para estar do lado do Povo Moçambicano que lutava pelos seus direitos e ser um povo independente. 

 Este direito à independência tornava-se cada vez mais evidente, sobretudo, a partir da década 50, quando a maioria dos Povos Africanos começaram a aceder a esse valor, em maiúscula, que lhes era negado pelas potências coloniais. 

Portugal continuava a querer governas as suas colónias, afirmando que o caso português era diferente dos grandes países coloniais: a França, a Inglaterra e outros, mas em realidade, com o tempo, isso não estava a acontecer nem ia acontecer. E não era, posteriormente, a operação Nó Górdio que acabaria com a guerrilha ao Norte, na Província de Cabo Delgado (Porto Amélia/Pemba) e, anos depois, estendida a todo o Moçambique…Recordo-me de ver, uma ou outra vez, no Aeroporto da Beira, o General Kaúlza de Arriaga muito atarefado e nós comentávamos que o Operação Nó Górdio estava a correr mal, embora a versão oficial fosse outra.

D. Manuel foi para junto do seu Senhor que muito amava e de quem falava com o carisma próprio dum Profeta e com uma linguagem dirigida a todos, uma linguagem que ele sabia aplicar à realidade e que manuseava o Concílio Vaticano II, quase página por página. 

Grande Bispo e grande Profeta. Participei num Curso do Mundo Melhor em S. Benedito da Manga, (Chingussura) e os Documentos do Vaticano II eram luz que iluminava o nosso caminho no momento muito especial em que todos necessitávamos dessa luz. 

Tinham sido expulsos os Padres Brancos e a Diocese necessitava de reconciliação, de compreensão de tal gesto. O Curso do Mundo Melhor que teve lugar na Manga foi orientado pelo Padre Cuvero, um sacerdote do Mundo Melhor que trabalhou com o Padre Ricardo Lombardi. Colaborou, também aqui, neste Curso, o Frei Miguel Negreiros. D. Manuel foi o grande impulsionador deste ato de reconciliação coletivo e, a partir daí, foi melhor compreendida a Mensagem do Conselho de Presbíteros como se verá a seguir, A logística deste Curso esteva a cargo das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora. A Irmã Ilda Fontoura era a grande animadora da parte das Irmãs de S. Benedito e a ela se devem os arranjos dos espaços para acolheram umas 150 pessoas.

Estudei a minha teologia em Barcelona no momento do Concílio Vaticano II e confesso que muito me enriqueci com a linguagem empregada por D. Manuel, desde o Concílio. Não houve neste encontro do Mundo Melhor, na Manga,  ninguém que não fosse fortalecido para acompanhar D. Manuel no projeto que tinha como Administrador Apostólico da Diocese da Beira. 

No dia 30 de Junho de 1971, estava eu no Centro Catequético de Nazaré, em Inhamízua, Beira, depois de ter ido ao Aeroporto  despedir o último grupo de Padres Brancos e Monsenhor Duarte de Almeida, igualmente expulso de Moçambique, quando, pela tardinha, fiquei surpreendido com a visita de D. Manuel ao Centro Catequético de Nazaré, onde, então, eu trabalhava. Nessa altura, já ele sabia da sua nomeação por Paulo VI como Administrador Apostólico da Diocese da Beira em substituição de D. Manuel Ferreira Cabral e vinha ao Centro Catequético da Nazaré, convidar-me para ser o seu Vigário Geral. Dizia-me que eu conhecia a Diocese; que os grupos de missionários - Franciscanos, Jesuítas, Padres de Burgos, Padres de Picpus, Padres Diocesanos e as diversas Congregações Religiosas Femininas - me aceitariam, num momento em que era necessário trabalhar pela união dos diversos grupos de missionários e missionárias e pela união dos leigos. De imediato, pedia-me para celebrar a Eucaristia para as 36 Irmãs Vitorianas que assistiam o Hospital Central da Beira e também me responsabilizava pela capelania do mesmo Hospital. 

Respondi-lhe que aceitava o cargo de Vigário Geral, depois de consultar o meu Superior, Padre Joaquim Leão. Pedia, além disso, a D. Manuel, para reunir o Presbitério e comunicar aos Padres a notícia da minha nomeação. Essa reunião teve lugar no dia 8 de Julho de 1971. Fui aceite pelo Presbitério o que meu deu grande consolação e entusiasmo pelo trabalho que me era confiado.

Os Jesuítas na Cidade da Beira. Na minha nomeação para Vigário Geral, num momento tão difícil para a Diocese da Beira, senti que não estava só, ao aceitar tão grande responsabilidade. Tinha o aval do meu Superior da nossa Missão de Jesuítas em Moçambique, o Padre Joaquim Ferreira Leão que residia na nossa comunidade da Paróquia de Fátima, na Beira. E com ele, nesta comunidade, estavam, também, os Padres Vasco Fernandes, José Santos, Joaquim Barata e Manuel Gama. Pertenciam, também, à comunidade os Irmãos Religiosos: José Dias e José Ribeiro. Além desta comunidade, tínhamos a comunidade de Jesuítas de Matacuane, onde era Superior e Pároco da Paróquia, o Padre Arnaldo Gomes de Lacerda. Com ele colaboravam os Padres,  António Garcia e Fernando Mata. Todos os membros das duas comunidades de Jesuítas apoiaram o meu trabalho de Vigário Geral e estiveram sempre do lado de D. Manuel Vieira Pinto, quando este Bispo quis trabalhar por uma Igreja de base e de pequenas comunidades, onde os leigos tivessem lugar como Povo de Deus. Uns dias depois, quando se pediu à Congregações Religiosas ajuda par se assistirem as Missões que haviam ficado sem os seus Padres, os Jesuítas comprometeram-se a ajudar, a comunidade de Mafambisse, onde se situava a Açucareira do mesmo nome, a comunidade de Nhamatanda (Vla Machado) e a Missão da Gorongosa.

A seguir, mãos à obra! D. Manuel partiu para Nampula depois de  combinar comigo, o trabalho mais imediato: convidar os grupos de Padres para assistirem as missões, donde tinham sido expulsos os Padres Brancos: Gorongosa, Vila Gouveia (Vila Catandica), Lundo, Chemba, Murraça, S. Benedito da Manga, Munhava e, ainda, o Centro Catequético da Nazaré.

 Pensava escrever uma Mensagem, assinada pelos Presbíteros da Beira, onde contava referir-se à expulsão dos Padres Brancos, às missões que ficavam sem Padres. Marcou uma reunião com todos os Presbíteros para se realizar a partir de 15 de Julho, Depois, sentou-se à mesa e, juntamente comigo, esboçou um rascunho com os principais tópicos dessa Mensagem. E partiu para Nampula.

Numa certa desorientação que havia causado no Governo a expulsão dos Padres Brancos de nacionalidades tão diversas, o Dr. Rui Patrício, Ministro dos Negócios Estrangeiros, veio lançar mais uma acha para a fogueira, declarando, publicamente, que os Padres Brancos, no momento da expulsão, tinham deitado fogo à Missão de Munhava e destruído os “carneiros hidráulicos” da Missão do Báruè, ficando a Missão sem água. Esta mentira do Dr. Rui Patrício foi desmentida por mim, ao verificar “in loco”, a 300 Kms da Beira, no Barué, com os próprios olhos, que os “carneiros” estavam inteirinhos e continuavam a abastecer de água a Missão. 

Quanto à Missão da Munhava, tudo estava direitinho e se podia verificar diretamente, pois a Missão da Munhava era e é um Bairro da Beira e podia ser vista por todos. As Irmãs de S. José de Cluny, missionárias na Munhava, ficaram admiradas com a mentira do Dr. Rui Patrício. Recordo-me de ter comentado com o Senhor Fernando Couto, encarregado na Beira do Notícias de Lourenço Marques esta afirmação do Dr. Rui Patrício e ele ficou muito admirado. O senhor Couto era um jornalista prestigiado do Jornal Notícias e era o pai do escritor Mia Couto. Recordo que ele publicou no Jornal Notícias, alguns comunicados que a Diocese precisou de tornar públicos para esclarecer certas posições do seu Bispo (Administrador Apostólico) e dos Padres da Beira acerca do que ia acontecendo.

Mensagem do Conselho de Presbíteros: D. Manuel regressou à Beira oito dias depois de se ter ausentado para Nampula. Fazia isto com frequência, porque se sentia muito responsável pelo múnus de Administrador Apostólico da Diocese da Beira, que lhe havia sido confiado por Paulo VI. Mas esta visita tinha como motivo principal a publicação duma Mensagem dirigida ao Povo de Deus para explicar a situação que se vivia na Diocese. 

O Conselho de Presbíteros reuniu-se em S. Benedito da Manga e D. Manuel assinou, com os Presbíteros, uma Mensagem dirigida ao Povo de Deus da Diocese da Beira com a data de 15 de Julho de 1971. Nesta Mensagem, os Presbíteros com o seu Bispo falam da Expulsão dos Padres Brancos, dos problemas das Missões que haviam ficado sem os seus Padres e afirmam categoricamente que nada fora queimado ou destruído na Missão da Munhava e de Inhazónia, no Báruè, contrariamente à afirmação do Dr. Rui Patrício.

 Creio que, com esta Mensagem, a PIDE nunca mais deixou de perseguir D. Manuel e o considerava “persona non grata” até à sua prisão em Nampula,  na Quarta-feira Santa e a sua expulsão de Moçambique, no Domingo de Páscoa no dia 14 de Abril de 1973. Mas também, esta afirmação de Rui Patrício deixava muito mal o Governo Português e o Primeiro Ministro, Marcelo Caetano.

Visita Pastoral às Comunidades que haviam ficado sem os seu Padres. D. Manuel viajou comigo com o Padre Martens, sacerdote dos Padres de Picpus para uma visita às Missões que haviam ficado sem os Padres Brancos expulsos. Connosco, viajavam, também, duas irmãs religiosas. Ao longo do Zambeze, visitámos Murraça, Sena, Chemba, Lundo. Nestas Missões, contactámos com os responsáveis das comunidades e algumas tinham a Eucaristia ou a Celebração da Palavra. Viemos impressionados com a partilha das Comunidade no exercício do ministério laical. Tudo funcionava e nada mais concluímos do que dar ação de graças a Deus porque tudo funcionava e, de agora em diante, as comunidades, pelo menos de mês a mês, receberiam a Eucaristia, devida à ajuda de todas as comunidades religiosas na assistência às Missões sem Padres.

Uma grande tribulação para D. Manuel e para a Diocese: a prisão dos Padres do Macuti: Padre Joaquim Teles Sampaio e Padre Fernando Mendes. A Paróquia do Macúti era, há uns 50 anos, uma Paróquia, ao norte da cidade da Beira, onde residiam geralmente, os brancos, em belíssimas habitações, mas havia, também o Bairro do Macurungo, habitado por uma classe média composta de negros, mestiços, brancos e indianos. As casas do Bairro do Macurungo eram boas, em alvenaria. O pároco do Macuti era o Padre Joaquim Teles Sampaio, atualmente, a residir na Santa Casa da Misericórdia, em Manteigas e o seu coadjutor era o Padre Fernando Mendes.

 Não preciso de dizer muito sobre o padre Sampaio. A sua palavra era profética e denunciava, fortemente, a guerra colonial com o cortejo de injustiças que a acompanhavam. Mas era também uma palavra que anunciava a esperança dum Moçambique melhor, descolonizado e, por isso, a sua palavra era ouvida por todos: moçambicanos e não moçambicanos. No dia 1 de Janeiro de 1972, o Padre Sampaio fez uma homilia no Macuit e, por ser o dia da Paz, denunciou a guerra e as suas consequências nefastas para todos. Esta linguagem do Padre Sampaio incomodava muita gente e era necessário neutralizá-la. Um dia a Pide armadilhou-lhe uma ratoeira por causa da Bandeira Nacional. A Bandeira entra ou não entra na Igreja para as Cerimónias das Guias de Portugal, perguntavam? O padre Sampaio estava a atender pessoas. Não proibiu a entrada da Bandeira na Igreja, mas apenas respondeu, a quem lhe perguntava, que se consultasse o Regulamento. Mas logo começou um grande alarido, gritando alguns que o Padre Sampaio tinha impedido a Bandeira de entrar na Igreja. Entretanto, por ali se viu o Diretor da PIDE e não foi difícil compreender que a Polícia tinha armado uma ratoeira ao Padre Sampaio. Na manhã do dia seguinte aparecem cinco grandes fotos do Padre Sampaio no jornal Diário de Moçambique encimadas pela palavra: traidor. Este Jornal por falta de orçamento fora vendido pela Diocese no tempo do Bispo Manuel Cabral e, nesta altura, era seu Diretor o Engenheiro Jorge Jardim. Passaram alguns dias do episódio do Macuti, mas todos pensávamos que, mais tarde ou mais cedo, a PIDE viesse prender o Padre Sampaio e o Padre Fernando. A prisão veio a efetivar-se e os Padres foram levados para os calabouços da PIDE no Bairro da Ponta Gêa. Depois, foram transferidos para a Prisão da Machava, em Lourença Marques e, aí aguardaram o julgamento que se veio a realizar um ano depois, em Janeiro de 1973. 

Retiro em Vila Pery (Chimoio). Nem todos os sacerdotes e, sobretudo algumas irmãs Religiosas, compreenderam o que havia sucedido e facilmente censuravam os Padres. Mas era preciso aguardar o julgamento e não proferir acusações apressadas. D. Manuel, Pastor como sempre foi, marcou um retiro para se realizar no Colégio das Irmãs Franciscana de Nossa Senhora, em Vila Pery (Chimoio). Esse Retiro foi orientado pelo Padre Feytor Pinto e aí, em discernimento e oração, todos ficamos mais esclarecidos e sobretudo reconciliados. 

Entretanto, durante os cinco dias que durou o retiro, D. Manuel encarregou-me de viajar cada dia para a Beira, afim de trazer noticias acerca dos padres presos na Ponta Gêa. Numa dessas minhas idas à Beira, juntamente com o Padre Manuel Carreira das Neves, fui falar com o Coronel Sousa Teles, Governador da Beira e pedir-lhe, em nome de D. Manuel, que pusesse os Padres fora da prisão, pois estavam inocentes. Notei que não faltava desejo ao Governador para soltar os Padres, mas sentimo-lo com medo da Polícia política, na altura, omnipotente e omnipresente. Apesar da boa-vontade, o Governador tinha as mãos atadas e os Padres continuaram na prisão até serem transferidos para a Prisão da Machava, uma prisão cheia de presos políticos, situada junto de Lourenço Marques. Esta era, geralmente, uma prisão para prisioneiros políticos.

A Defesa dos Padres. Uma vez na Prisão da Machava, pouco mais nos ficaria do que aguardar o julgamento que teve lugar, apenas um ano depois, no mês de Fevereiro de 1972. A conselho do nosso Advogado, Dr. Carlos Alberto Palhinha, convidámos para advogados dos Padres, os Doutores: João Afonso dos Santos (irmão do Zeca, William Pott e Pinto Leite. Fomos a Lourenço Marques convidar também o Dr. Adrião Rodrigues que aceitou de bom grado comprometendo-se a diligenciar tudo o que fosse necessário para o julgamento, em Lourenço Marques.

Com o Engenheiro Pimentel dos Santos, Governador Geral de Moçambique. Este encontro foi muito bom. D. Manuel teve a impressão de dialogar com um homem muito humano e culto. Já estava a par da expulsão dos Padres Brancos e, também já se tinha inteirado da prisão dos Padres da Beira. Deu-nos a esperança de que os Padres seriam soltos, mas foi-nos prevenindo que preparássemos bem a sua defesa, pois no momento presente, a situação era difícil. Estranhou muito que a PIDE ainda não me tivesse dado licença para visitar os Padres, apesar de eu todos os dias ir à Ponta Gêa para os ver. Entretanto, tinha confiança, porque o Governador viria à Beira e eu, logo à saída do avião, lhe comunicaria o que se estava a passar. No momento da visita, ainda não tinha licença para ver os Padres e o Governador achou estranha esta nega da PIDE. Disse-me que faria diligências para eu visitar os Padres ainda nesse dia e assim aconteceu. Pela parte da tarde veio um Protocolo da PIDE que eu assinei, onde constava a licença para visitar os Padres. Visitei-os logo de imediato.

D. Altino Ribeiro de Santana na Beira. Em  Nampula, continuou a perseguição ao Profeta, D. Manuel. A perseguição na Beira e, agora, em Nampula, culminou com a expulsão de D. Manuel de Moçambique. A causa desta expulsão foi tudo o que descrevi até agora. Nunca D. Manuel deixou de anunciar a justiça e de denunciar as injustiças. Por isso, no dia Mundial da Paz de 1974, pronunciou na sua catedral a homilia Repensar a Guerra. Para o Governo colonial, a guerra não se podia repensar, mas sim fazê-la. Por aqueles primeiros meses do mesmo ano, assinou o documento dos Missionários Combonianos  Um Imperativo de Consciência incidindo sobre a ambiguidade da actividade missionária da Igreja em estreita ligação com o governo e afirmando os direitos do Povo moçambicano à sua identidade própria e autodeterminação. Como acima deixei dito, na Quarta-Feira Santa desse ano D. Manuel seria preso em Nampula e expulso de Moçambique no Domingo de Páscoa (14 de Abril). 

Como sempre, a PIDE não deixou de promover esse alarido para ficar bem na fotografia. Mas o povo não se deixou enganar. Expulso de Nampula, D. Manuel, no exílio (no seu próprio país-natal, Portugal), continuava a ser o seu Profeta querido. D. Manuel foi acompanhado para o Maputo por alguns missionários Combonianos, expulsos de Moçambique e pelo Padre João Cabral que trabalhava com D. Manuel e o acompanhou até Lisboa. Inicialmente, D. Manuel foi viver o seu Exílio na Casa do Senhor João Ribeiro da Costa e sua esposa, no Cartaxo. Ambos tinham feito o Curso do Mundo Melhor. Ali, o visitei umas duas vezes, com o meu primo, Padre Agostinho de Sousa que era o seu Vigário Geral, em Nampula. Deu-se o 25 de Abril e o General Spínola convidou-o para Conselheiro de Estado. Consultou-me e a algumas outras pessoas e todos dissemos que não. Assim poderia preservar melhor a sua vocação profética. Graças a Deus, porque Ele visitou o seu povo e lhe deu um profeta.
A Igreja que está no Porto, em Nampula e na Beira (Moçambique) não podem esquecer essa graça! 
Aos oito dias do falecimento de D. Manuel Viera Pinto, no Porto,
Covilhã, 4 de Maio de 2020
Padre José Augusto Alves de Sousa S.J.