domingo, 7 de dezembro de 2014

Miopia Municipal




Gerir os espaços urbanos

Sem sombra de dúvida, o modo de gerir os espaços urbanos revelam a visão dos respectivos edis. 


O poder autárquico é, em política pura, um indeclinável sinal de crescimento civilizacional, de cidadania política. Por um lado supõe crescimento no sentido de participação dos/as munícipes; por outro pode servir de incentivo a essa participação, já que se trata, sobretudo em caso de eleições, de escolher os governantes mais ao pé da porta.

Finalmente, suporia rectidão e transperência de processos eleitorais o que, no caso de Moçambique, é evidente ainda não existir. As desconfianças são imensas e o caso do Guruè poderá ter sido apenas a ponta do iceberg. No caso de Angoche, o CC não teve a coragem de ter o mesmo procedimento mas eu próprio informei a CNE de ilícitos eleitorais que eu julgava serem suficientes para invalidar todo o processo e obrigar, também, a repetir as eleições.


Mas hoje quero apenas falar da gestão dos espaços urbanos, apontando apenas duas pequenas grandes coisas, denunciadoras da falta de visão dos poderes instalados. Refiro-me às principais avenidas de entrada nas cidades de Nacala (onder agora escrevo) e de Nampula (ligação cidade-aeroporto).


Em Nacala, subindo da cidade baixa para a alta, somos, de repente, estrangulados por um afunilamento da avenida que, de duas amplas e excelentes faixas, fica reduzida a uma estreita (e agora esburacada) estrada. 

Pergunto: como foi possivel que um presidente municipal de Nacala, nesta cidade em explosivo
crescimento socio-económico e demográfico, tenha licenciado um hotel encavalitado na estrada sem deixar mínimamente capacidade para que se possa fazer aquilo que é incontornável: continuar a belíssima avenida de subida, porventura até ao triângulo ou mesmo até ao cruzamento de Naca-a-Velha?

 Só uma evidente miopia de gestão do espaço público urbano pode ter levado a tão desastroso licenciamento. A meu ver, não levará muitos anos até que o interessado investidor daquele hotel venha a reembolsar rios de dinheiro por ter de demolir tão inoportuno empreendimento. Sim, também o investidor revelou não só espírito de ganância mas também miopia urbana.


E já que falei de Nampula, falarei dos repetidos engarrafamentos na avenida do aeroporto. Desde o tempo do chamado Conselho Executivo da Cidade (imediato antecessor do Conselho Municipal), tal falta de visão permitiu a construção de imóveis comerciais de evidente prejuízo para a dignidade da cidade e a comodidade dos transeuntes e dos automobilistas.

Há quem, maliciosamente, e para minha tristeza, chame a estas asneiras, a africanização de Moçambique! Que deplorável, ver cidades lindas e de rasgadas artérias, estranguladas saberá Deus por que interesses!


De facto, nunca pensei que gestões municipais modernas pudessem ser factores de tanta regressão urbana.
Construção em curso na subida de Nacala


 Em Nacala, mesmo nas zonas até agora interditas das arribas,  crescem os mastodônticos imóveis, de estilos imperiais (neocoloniais?) anunciando um novoriquismo que deixará os pobres cada vez mais longe do desenvolvimento, mesmo com o conhecido crescimento do PIB que tem colocado Moçambique na agenda capitalista mundial



Arcos e mais arcos quais torres de Babel
Este estilo imperial do "deus dinheiro" é recorrente nas empresas ao longo da estrada de acesso quando, vindo de Nampula, nos aproximamos desta cidade. Arcos triunfantes de obras ainda não merecidas mas acautelando futuros interesses alheios, erguem-se, soberbos, tentando o cultar o Deus dos Pobres, os tais que, a troca de umas quinhentas, vão sendo cada vez mais marginalizados.

A isto se junta o exotismo  repugnante de tiques asiáticos de Naherengue (ex-Fernão Veloso?), que denuncia não só a cegueira arrogante do empreendedor (dizem-me que é italiano) e seus comparsas, mas também a ignorância de quem, sem qualquer sentimento de dignidade nacional,  licenciou a implantação de tão despedurada construção. Até quando?

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Eleições em Moçambique

Vitória sem festa
Como cidadão atento que sempre tenho procurado ser neste meu país de adopção, não quis viver, no estrangeiro, o esperançoso e desafiante dia 15 de Outubro - Dia de eleições gerais, presidenciais, legislativas e provinciais .
Chegado a Nampula, tratei de me credenciar como Observador Nacional. Sim, é nesta qualidade que gosto de agir; foi nessa qualidade que me credenciou a CNE nas primeiras eleições gerais multipartidárias (1994); foi ainda nessa qualidade que fui credenciado como membro da Rádio Encontro, de que fui director-fundador (1994), para as autárquicas de 2013; foi nesta qualidade que acompanhei - e nem pedi credencial - todos os anteriores actos eleitorais.
Pois desta vez, tive uma nega da parte do STAE (Nampula). Mas com a delicada atenção de uma resposta escrita: não podia ser observador nacional, porque lhes apresentei o meu documento de identificação (DIRE) de cidadão estrangeiro. O mesmo documento que desde sempre me identificou, e que não me impediu, além do já acima referido de assegurar a direcção legal (e não só) da revista VIDA NOVA, até 2009.
Para bom entendedor.... meia palavra basta.

Claro que esta desconsideração me não inibiu nada de seguir o processo com todo o empenho, equivalente ao amor que toda a gente sabe eu ter por esta terra de que sou cidadão de coração.

Fiquei triste e, como muitos cidadãos, lamento as irregularidades constatadas e anunciadas que impediram que este dia tivesse sido de verdadeira festa de um processo limpo e incólume. Mas indignei-me, sobretudo, com as precipitadas declarações de alguns observadores estrangeiros.Quem está no terreno, sabe que pouco ou nada observam. Dizem algumas pessoas, que vêm fazer turismo político, "vêm comer o nosso camarão"! Espantei-me ao ouvir, nos ecrãs da TVM, o mítico Comandante Pedro Pires, por parte da CPLP. Que lástima! Como é que ele, que devia ser isento, conseguiu atropelar o mais elementar processo de avaliação? Percebo agora por que a CPLP vai perdendo a honorabilidade. Sem qualquer trabalho de rigor, Pedro Pires declara justas, livres, e transparentes, umas eleições complexas, na própria noite de fecho das urnas! Quem pretende ele servir?

Seguindo o processo de apuramento que ia sendo difundido pelos órgãos de informação, sobretudo os não controlados pelo governo, vivi, em expectativa, o dia 30, o do aúncio oficial dos resultados.

O presidente da CNE, que fez questão de se apresentar, como sempre, não trajando à civil, mas como religioso muçulmano, desesperou-me com as suas infindáveis introduções formais. Tanto, que os indiscretos operadores de imagem lá mostravam, de vez em quando, uns dorminhocos da assembleia que acorrera ao CCJC. Falou, falou, falou, até nos cansar. Considerações sobre isto e aquilo, perfeitamente dispensáveis quando, o que o público mais desejava ouvir, eram os resultados.

Mas de uma coisa importantíssima se esqueceu: como se tinha processado a votação no interior da CNE. Quem ouvisse o seu discurso redondo, pensaria que tinha havido total unanimidade. A meu ver deveria ter dado os detalhes da votação: quem era quem na votação: representantes da Frelimo; da Renamo; do MDM, da sociedade civil - como terá votado cada uma destas pessoas? Soubemo-lo, em parte, nos dias seguintes, pela imprensa.

Finalmente os resultados são anunciados. Em qualquer parte do mundo, penso eu, com tão retumbante vitória, ter-se-ia ouvido a explosão de alegria dos vencedores. Nada disso aqui em Nampula. Vivia-se uma atmosfera carregada, sombria e receosa. As lojas, receando tumultos, fecharam mais cedo; as ruas estavam não digo desertas mas a parecerem isso; e, sem dissimulação, os polícias, mesmo os do trânsito, exibiam as espingardas aperradas. Estranha vitória!
Triunfará a PAZ tão frágil? Por isso rezamos!



sábado, 18 de outubro de 2014

DISPONÍVEL O RELATÓRIO COMPLETO DO SÍNODO DOS BISPOS (10/2014) - TRADUÇÃO PROVISÓRIA

Synod14 - "Relatio Synodi" da Terceira Assembléia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos: "Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização" (5 a 19 de outubro de 2014), 

LEIA AQUI O RELATÓRIO COMPLETO:


ÍNDICE

introdução 

parte I 
Ouvindo: contexto e desafios sobre a família 


O contexto sócio-cultural 
A relevância da vida emocional 
O desafio para a pastoral 

parte II 
O olhar de Cristo: O Evangelho da família 

O olhar em Jesus e da pedagogia divina na história da salvação 
A família no plano salvífico de Deus 
A Família nos Documentos da Igreja 
A indissolubilidade do matrimônio e da alegria de viver juntos 
A verdade ea beleza da família e da compaixão para com as famílias feridas e frágil 

parte III 
Comparação: perspectivas pastorais 

Anunciar o Evangelho da família, hoje, em vários contextos 
Conduzindo os envolvidos no processo de preparação para o casamento 
Acompanhe os primeiros anos da vida de casado 
O cuidado pastoral das pessoas que vivem no casamento civil ou coabitação 
Cuidar de famílias feridas (separados, divorciados e não voltou a casar, divorciados novamente casados , famílias monoparentais) 
O cuidado pastoral das pessoas com orientação homossexual 
A transmissão da vida eo desafio de nascimentos 
O desafio da educação e do papel da família na evangelização 

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Soares Martins - Um Vigilante contra a mediocridade

No passado dia 14, festa da Exaltação da Santa Cruz na Igreja Católica, faleceu num hospital do Porto, depois de prolongada doença com que lutava há mais de um ano.

No dia seguinte, familiares, amigos e admiradores, celebrámos a sua Páscoa: na Igreja da Cedofeita (Porto) e na Igreja Paroquial de S.João da Madeira (seu concelho natal).

Os meus primeiros contactos com o Soares Martins datam do meu acordar para os problemas críticos de Portugal e das suas colónias.  José Capela, de seu pseudónimo, chegou-me às mãos pelos pequenos livrinhos que ia fazendo aparecer..." O Vinho para o Preto" era título incontornável e inesquecícvel. Depois, quando já com experiência de chão moçambicano, Moçambique pelo seu Povo.

Física e pessoalmente, conhecê-lo-ia só quando ele apareceu como Adido Cultural na Embaixada de Portugal no Maputo. Foi ocasião para beber a longa experiência de um homem que, ao lado do seu fabulosíssimo tio, o 1º Bispo da Beira, Sebastião Soares de Resende, se afirmara nos combates pela dignidade do Povo Moçambicano nos tempos duros do colonialismo.

Foi chefe de redacção do combativo Diário de Moçambique, jornal da diocese da Beira.

Fui um dos que, com frequência, partilhei a sua mesa, com muitos amigos moçambicanos, das esferas da intelectualidade, do saber e da cultura plurifacetada. Nos contextos tantas vezes ambíguos da realidade.

Cativou-me sempre a simplicidade do diplomata que se esquecia que o era, dada a evidente simplicidade do seu porte. Impressionou-me sempre a cordialidade que se sentia fluir entre ele e o seu dedicado cozinheiro, senhor Morais.

Vivi, mesmo que esporadicamente, por entretanto eu ter regressado a Moçambique, a encantadora relação de amor irradiando do casal que era o Soares Martins e a sua mulher, a Joaquina. Duas autonomias visivelmente casadas!
(Informação mais detalhada na carta anexa - José Capela)




quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Vigilância da PAZ


Com uma semana de atraso, tive oportunidade de visionar, no Youtube, as cerimónias da assinatura do que a imprensa moçambicana chama de Acordo de Paz II.

No momento de troca dos documentos assinados, fiquei momentaneamente interrogativo: vai haver abraço ou simplesmente o protocolar aperto de mão?

Parece-me que Dlhakama tomou a iniciativa do gesto do abraço! E Guebuza correspondeu sem demora. Espontâneo! Mas eu, interiormente, continuava, no meio de muita emoção, a ser invadido pela interrogação: serão mesmo abraços de lealdade, de efectiva e definitiva reconciliação? Todos desejamos que assim seja.

Escutei com íntima e comovida atenção os discursos dos 2 líderes protagonistas do acto. Apreciei a firmeza e a objectividade. As palavras certas, estiveram ali. As farpas mutuamente disparadas - inevitáveis nestas circunstâncias? - foram suaves. Sublinho a frae de Guebuza "temos e devemos confiar na nossa capacidader endógena para também realizar o nosso sonho colectivo de prosperidade e bem-estar". 

Penso que esta capacidade sempre existiu. Mas a história recente mostra que a capacidade de não lhe ser fiel também é real. Por isso ao mais de um milhão de mortes da guerra civil dos 16 anos, somámos, no ano passado, um desconhecido número de mortes. São, por isso, muito oportunas os seus apelos a que. doravante,  todos se conformem escrupulosamente com os ditames legais/constitucionais. Parece que está tão ciente, como eu, da precaridade da natureza humana e, expressamente, apela à "a atitude vigilante e de elevada consciência de cidadania" para que nunca mais se volte atrás.


Este momento, tempo de campanha eleitoral, é particularmebte importante para o exercício da cidadania a que o Presiente da República apela. Porém, hoje, dia 11 de Setembro (de má memória internacional), os jornais já noticiaram atropelos à lei e à convivência democrática na campanha eleitoral. Tenho para comigo que aos membros da Frelimo vai custar muito a aprenderem a trabalhar politicamente em pé de igualdade! São 40 anos de acumulação do vício da superioridade institucional, regimental.. Se a conversão pessoal não é fácil, a colectiva é dificílima, sobretudo quando o que está em causa são as benesses decorrentes do exercício do poder! Mas "água mole em pedra dura tanto dá até que fura" e "a esperança nunca morre!". Assim o esperamos.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Novos Céus e Nova Terra (Duas reacções de leitores)

Recebi algumas reacções de pessoas amigas ao post com este mesmo título "Novos Cèus e Nova Terra"
Pelo interesse que me parece que têm em termos de intercâmbio de opiniões, aqui transcrevo duas.

1ª reacção

" Li o artigo e achei bastante interessante, sobretudo por manifestar as suas reais convicções...Ultimamente fomos habituados a ler e ver na televisao analistas a defenderem mais o que os outros (alguns) pretendem do aquilo que  o bom senso evidencia...

Nao sei se foi a melhor forma...mas foi a forma possivel de se fazer algo em prol duma suposta mudanca que viesse em defesa do povo, que clama deseperadamente por Socorro do sufoco que lhe está a ser imposto (ao chegar-se onde se chegou creio k valeu a pena , alias tudo vale a pena se a alma nao e' pequena)  com todas as tristezas, desgracas e sofrimentos pelo que o povo passou ...

Os discursos da renamo trazem no fundo um subjacente pedido de perdao...os discursos do governo (ultimos) nao sendo de arrogância desmedida, pretendem tapar o sol com a peneira fazendo transparecer que não tem culpas no cartório e agiu da melhor maneira...e aqui nem quero dizer que um é melhor que o outro...

o xadrez politico alterou substancialmente as regras internas de fazer politica...estamos a trazer soluções antigas para problemas novos (alguns)  e influenciados por tendências que marcaram fases do nosso percurso politico...funciona pouco...tem de haver muito boa vontade  de quem de direito para alterar este estado de coisas e dessa attitude dependerá o futuro do Moçambique...

Tome que rumo tomar, Moçambique nunca mais vai ser o que era antes e o que tiver que acontecer somente o futuro no-lo dirá... e tem que se tomar consciência dessa realidade presente...

É apenas um ponto de vista...

O autor desta opinião, a quem perguntei se podia também publicar a sua identidade, recomendou-me:

"pode dizer que recebeu de uma pessoa amiga...tristemente ainda tem de ser assim..."

Vemos bem que o medo ainda prejudica muito a saúde democrática por que todos ansiamos. 

2ª reacção:

 "Zeluzia,

Cheguei tarde tarde em frente a tela de televisão, me encontro em Nacala para mais uma semana de aulas modulares mas, tive a oportunidade de assistir a assinatura do acordo geral de Maputo. Ainda nao tive a oportunidade de ler o conteúdo inserido nos tais documentos o que, suscita alguma expectativa. Mesmo assim, os entrevistados manifestaram algum optimismo. 

Me surpreendeu deveras o discurso de Afonso Dhakama: muito curto reconciliatório e  essencialmente recheado de urbanismo, cidadania e muita humildade. É pena tenha sido tudo feito à custa de sangue de inocentes. Desta vez me parece estar convencido de, com apoio e ajuda de facilitadores,  ter resolvido os problemas que, em Roma, não terão conseguido, por não terem percebido as peripécias do governo do dia, na altura. 

Percebe-se que os negociadores acutais,  com ajuda de facilitadores nacionais e com alguma mão do exterior, suplantou a vontade endógena. Os apelos à não violência que os seis dias no minimo tentaram mostrar me parce ter sido a maior prenda para os que vivem e querem pacificamente viver em Moçambique. Quem teria  elaborado discurso? Acreditamos que tera sido escrito por ele próprio.

Por sua vez, o senhor Armando Emílio Quebuza, num discurso que afastou todas as hipóteses de caça às bruxas, na presença de toda a ala conservadora de seus companheiros, criou o fundo de pacificação. Como disse, não tem intenções de distribuir dinheiro mas apoiar, de certa maneira, aquelas forças residuais da Renamo, relegadas para o plano secundário. 

Denotou-se alguma sinceridade na cara dos fazedores para a devolução da paz aos proprietários dessa paz que, não sendo povo, vivemos neste pedaço pertença de todos os que se acham moçambicanos. Somos ainda um povo e uma nação em formação... 

As reações das pessoas não se fizeram esperar, com elogios por todos os lados. A esperança renovada. A campanha de Daviz não parou, continuou com festa gratuita apelando ao voto e à mudança de atitude inclusiva. Respeitaremos o calendário de mais 20 anos de paz? Eu acredito que sim. (SCTurra)

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Novos Céus e Nova Terra

À hora em que escrevo, deve estar a terminar o banquete da reconciliação no Maputo. Que Deus seja louvado pelos irmãos reconciliados. Naquela mesa, todos estivémos, em espírito!

Os jornais relatam a onda de entusiasmo e euforia com que o povo (há sempre povo para todos) acolheu o líder da RENAMO de regresso à capital do Maputo donde nunca deveria ter saído. Saudaram-no como "messias" mas parece que tiveram o cuidado de o desidentificar de Jonas Savimbi que, no mês de Janeiro de 1975, assim era saudado no chão das avenidas de Luanda "Savimbi, o Deus na Terra". Todos sabemos em que se traduziu tão falacioso messianismo.

Entre a saída e o regresso de Afonso Dlhakama à capital, ficaram milhares de vidas moçambicanas sacrificadas no altar do ódio, da arrogância armada, da incompetência e da intolerância políticas.

Faço votos - e quem é que os não faz? - por que a Paz não seja efémera mas decisiva e eterna. Que nos novos desafios e nos conflitos políticos que inevitavelmente surgirão entre as distintas forças políticas ninguém mais se lembre de ameaçar com armas. Que a civilidade seja servida, em cada mesa política, antes da refeição (parafraseando Tiago de Melo).

Infelizmente, as soluções não foram tão genuinamente moçambicanas como se desejaria. Foi difícil, mas os observadores estrangeiros aí estão para, eventualmente, garantirem, ou não, a correcção do que falta concretizar e que se torna mais difícil e melindroso: despartidarizar, radicalmente, o aparelho de estado e governamental, sobretudo as FADM e as polícias.

Que um soldado e um polícia possam ser vistos, sempre, como amigos e leais servidores de quem, em qualquer dificuldade, deles possa precisar. Como me vêm à memória os cravos vermelhos na ponta das espingardas, no meu Portugal Natal, no 25 de Abril! Soldado, camarada e Amigo! E irmão! Que não mais haja directores de serviços, sejam quais forem, que tenham, em Moçambique, de fingir serem do partido governamental ou do presidente do município. Nunca mais!

Sim, Moçambique que, no meio de muito sangue, já foi apontado como um exemplo na solução de conflitos gravíssimos pelo diálogo interno, reapareça, agora, como exemplo, para o Mundo, como construtor de uma genuína democracia moderna.
Que fique livre de teias monopartidárias e, também, dos atavismos tradicionais, por vezes teimosamente apresentados, tanto por alguns estrangeiros como por alguns nacionais, como intransponíveis tropeços à construção de um estado moderno e republicano.

Com os corações alimentados dos Novos Céus, construamos, aqui a Nova Terra. Em religião cristã costumamos convidar à Confissão dos Pecados, a pedir perdão por eles e a fazer sérios propósitos de Consciência. Bom seria que a Renamo e a Frelimo o fizessem nesta hora de novas partidas. Pedir perdão ao Povo Moçambicano, pelas vidas sacrificadas, não seria humilhação, mas nobreza de alma e superioridade política!

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Paz com cautela

A notícia correu célere e de todo o lado surgem manfestações de apreço pela Paz reencontrada. Não há, no entanto, euforias. Como que toda a gente se interroga: desta vez será a sério? Que ela seja eterna, digo eu.

Mas sentimos bem que depois do evitável martírio de inocentes durante mais de um ano de retorno à guerra não declarada (só agora se declarou a cessação das hostilidades de uma guerra nunca declarada), as pessoas estão desconfiadas.

Quem provocou um reacender, 20 anos depois do AGP-1992, será mesmo digno de confiança? Não voltará a violar o que nunca chegou a cumpriri de verdade?
 Todos fazemos votos, claro: que ela venha para não mais se ir embora. Que fique mesmo.

Definitivamente. Mas ninguém faz actos de fé. Sim, porque, lá diz o ditado: "Gato escaldado de água fria tem medo", ou, melhor dizendo, "coitado do mentiroso, mente uma vez mente sempre e mesmo que fale verdade, todos lhe dizem que mente".

De todos, de uma sociedade que pacientemente acompanhou o sender da arrogância e do autoritarismo, depende o êxito efectivo.

Vigilância, como se pregava há 40 anos, nas horas da Independencia, Vigilência popular, eis o que faz falta. Vigilência efectiva, comprometida. Por uma Paz eterna!
Conquista de cada dia. Nunca está defintivamente estabelecida!


quinta-feira, 24 de julho de 2014

CPLP: coberta de ridículo e contradições

Coberta de ridículo e pejada de contradições porque, os seus actuais actores, nem sequer respeitam os mais elementares princípios que a regem:
1º Na Guiné Equatorial não se fala português.
2º Na Guiné Equatorial não se respeitam os mais elementares direitos humanos; não se trata de um país de direito democrático.



Não estou sozinho nesta indignação. Os intervenientes do debate africano na RDPA de hoje, e os do Contraditório da Antena 1 da RDP, de ontem,não podiam ter sido mais críticos e, por vezes, mesmo mais sarcásticos.
O caso não é para menos. Obiang fala tão bem português que apareceu na TV a responder "Si, si, muy satisfecho" (castelhano) e, no site oficial, segundo os referidos analistas da RDP, publicitou o acto da sua adesão em espanhol, francês e inglês! Onde ficou a língua  que diz ser oficial no seu país? Palhaçada! Tanta que o humorista Ricardo Araújo Pereira logo apareceu a sugerir 3 novos candidatos do estilo deste! Adivinhem!É ou não é ridículo?

Mas o que mais indigna nem é esse aspecto ridículo. o que mais me dói é saber que um torcionário - Theodore Obiang, presidente da Guiné Equatorial, denunciado pelos seus  concidadãos, sobretudo os opositores forçados ao exílio - conseguiu fazer-se aceitar no convívio de gente que parece ter esquecido a matriz dos seus fundadores e companheiros caídos em combate:


Amilcar Cabral e Aristides Pereira (Guiné-Bissau e Cabo Verde),  Agostinho Neto (Angola), Eduardo Mondlane e Samora Machel (Moçambique) e milhares e milhares de outros assassinados pelas forças colonialistas portuguesas (e indonésias, no caso de Timor-Leste) - sofreram e lutaram tudo aquilo que os mais velhos sabemos, e os mais novos devem aprender, pela Independência e pela Liberdade dos seus povos.



Apesar de toda a degradação a que temos assistido dos sonhos que nos alimentaram nos idos anos 1960, jamais me passaria pela cabeça que os petrodólares pudessem perverter tanta alma política. Jamais!Verdade seja que Jesus nos dizia neste domingo "Deixai que o trigo e o joio cresçam juntos".... Obiang vai converter-se? E o filho também? Como Zaqueu, da estória de Jesus, irão entregar aos pobres metade dos seus bens e devolver, a quadruplicar, o que defraudaram ? É uma piedosa esperança!

Samora Machel durante a luta armada de libertação nacional

Claro que há 50 anos, a Frelimo e o MPLA lutaram pela independência revolucionária e popular dos seus povos. 

Parece que os sonhos se finaram com a morte dos fundadores.
Toda a gente sabe quem é José Eduardo dos Santos de Angola. Quem tem governado, sem escrúpulos, o seu país, e, graças à hipocrisia da diplomacia, já conseguiu entrar no Vaticano do Papa Francisco, pavonear-se pelo Brasil e Cuba, não terá rebuços em hospedar o torcionário da Guiné Equatorial. O dinheiro manda mais alto.




Quem de nós poderia imaginar um combatente  como Xanana Gusmão 
 a levar, pela mão, um carrasco do seu próprio povo, como se de um menino inocente se tratasse? Onde chegámos?

Aí está para que não haja dúvidas: todos se vendem ao deus-dinheiro porque, realmente não sabem que "nem só de pão vive o homem" mas, sobretudo, da palavra, da sabedoria que sai da boca de Deus. E o Deus-Jesus foi claro: não podeis servir a Deus e ao dinheiro!

Razão tem o Papa Francisco quando diz na sua exortação apostólica A ALEGRIA DO EVANGELHO: "Rezo ao Senhor para que nos conceda mais políticos, que tenham verdadeiramente a peito a sociedade, o povo, a vida dos pobres" (Nº205).

Finalmente, e apesar de não ser "o presidente do meu voto", tenho de dar uns parabenszitos ao Presidente Cavaco Silva por ter aguentado ter ficado na situação incómoda de não aplaudir a vergonha do que estava a acontecer diante dos seus olhos. Parabéns! Mais honrado teria ficado se tivesse ficado "honradamente só" e tivesse vetado. Teria sido mestre de cidadania, de dignidade política, de verticalidade. Enfim, de tudo aquilo que os outros precisavam naquele indigno momento de vergonha política.


Quanto a Guebuza atentemos nas aflições por que se passa, hoje, em Moçambique por causa do petróleo, do gás e do carvão e de todas as outras riquezas do sub-solo que todos os dias vão surgindo. 

De facto, o poder do dinheiro corrompe os corações e as mentes. É profundamente frustrante saber que amigos meus de há 30 e 40 anos, com quem partilhei os sonhos da luta pela liberdade possam ter traído desta maneira.

Quem poderia imaginar que o PT de Lula haveria de apoiar um
 torcionário africano? Ou a ausência de Dilma significa um apoio de arrependido?

De facto, mal vai o mundo! Não admira que os políticos sejam, cada vez mais, gente sem credibilidade. Façamos coro com o Papa Francisco a ver se conseguimos mudar alguns para o caminho do Bem fazer. Pela Paz!

terça-feira, 8 de julho de 2014

Nacionalidade Honorária

Arcebispo Manuel  “o esquecido”?

 já referi em dois posts anteriores, em 14 de Abril de há 40 anos (Domingo de Páscoa) foi expulso pelo governo colonial por, sem rodeios, ter proclamado o direito do Povo Moçambicano à autodeterminação total e completa, isto é, à independência. Releiam-se, por exemplo, entre muitos, os seus emblemáticos textos Estamos numa Hora de Viragem e Repensar a Guerra.
, por isso, vergonhosamente humilhado pelos colonialistas como mostra a fotografia então profusamente distribuída de norte a sul de Moçambique e se pode rever no post anterior, com a legenda que aqui repito:

BISPO DE NAMPULA
VIEIRA PINTO
  FAMIGERADO TRAIDOR À PÁTRIA 
 INDESEJÁVEL EM TERRITÓRIO PORTUGUÊS 
 VIVA PORTUGAL 
UNO E INDIVISÍVEL


Cidadão de corpo inteiro, moçambicano de zelo e coração, 
português de origem, profeta de tempos novos, só no fim do seu longo mandato de 34 anos de serviço a Nampula e a Moçambique, no dia 11 de Março de 2001, tocaria na questão da adopção da nacionalidade moçambicana. Na sessão de boas-vindas ao seu sucessor, Tomé Makhweliha, deixou escapar, com emoção: “talvez agora seja o momento para pensar nisso”.

Poucos dias depois, saiu com uma pequena maleta de viagem, como quem diz “até já, não demoro!” Não voltou mais!

Poucos dias antes, creio que na sua última homilia de despedida, na catedral, movido pela emoção mais desprendida pela idade, o coração falou mais alto e disse, bem claro, que gostaria de ali  ser sepultado. O testamento mantém-se.

De imediato, sai, no jornal SAVANA, um texto em que dois jovens macuas se manifestavam como os primeiros ingratos, ridicularizando tão afectuoso desejo do velho arcebispo! Logo um outro moçambicano, velho – o Papá M’pomberah - me apresentaria tão desprezível e ingrato artigo perguntando-me, no meu gabinete da Rádio Encontro “Está preparado para o mesmo?”

No passado dia 25 de Junho, no 39º aniversário da Independência deste pais, fui surpreendido pelo gesto inaudito de, na Presidência da República, se ter procedido a desusada cerimónia de concessão de nacionalidade honorária a personalidades estrangeiras, vivas ou defuntas.

Exultei ao rever a face solene de K. Khaunda, o tal que apadrinhou o casamento de Samora e Graça. Emocionei-me ao escutar o nome de Julius Nyerere, o mais distinto e santo político de África, sempre humilde e de coração de pobre.

E fui escutando os nomes de outros: Seretse Khama, Aldo Aielo, Maria Rafaeli.. etc.

E de repente, caí em mim, e perguntei-me: e o Arcebispo Manuel?

Pergunto agora: foi esquecimento ou está de reserva para a celebração dos 40 anos! Aqui fica sugestão, para que se não incorra em censurável ingratidão nacional.

sábado, 17 de maio de 2014

O 25 de Abril e o Bispo de Nampula



O 25 de Abril apanhou o Bispo Manuel Vieira Pinto, em Portugal, na situação de expulso de Moçambique (acontecera no próprio Domingo de Páscoa- 14 de Abril, nesse ano) e, ao que tudo indicava, em riscos de ser expulso mesmo de Portugal. Era isso que parecia programado na fotografia profusamente distribuída em Moçambique, de Norte a Sul, durante o Mês de Março:



BISPO DE NAMPULA
VIEIRA PINTO
  FAMIGERADO TRAIDOR À PÁTRIA 
 INDESEJÁVEL EM TERRITÓRIO PORTUGUÊS 
 VIVA PORTUGAL UNO 
E INDIVISÍVEL


Vieira Pinto chegara a Moçambique em Setembro de 1967 onde o comando do  General Kaulza de Arriaga se mostraria impotente diante da impetuosidade da luta da Frelimo. A famosa operação Nó Górdio (1970), fracassaria redondamente.

Na Catedral de Nampula, pela voz firme e profética do jovem Bispo recém-nomeado, ecoava a exortação de Paulo VI em Fátima: Homens, sede Homens!

Desde o primeiro momento, Vieira Pinto, muito espontaneamente, acontecia-lhe como agora ao Papa Francisco, e aí estava ele com gestos e palavras que deixavam os colonos desconcertados.

Momentos depois de aterrar, ultrapassa as filas VIPs e vai lá atrás, às filas do povo africano que o espreitava e, tomando uma criança dos braços de uma mãe macua,
eleva-a em direcção ao sol. Murmurações surdas de colonos, e gritos de exultante alegria, de negros, misturam-se. Durante toda a sua vida Vieira Pinto narraria esta cena fundante da sua pastoral em Nampula, e que repetiria vezes sem conta, com natural agrado do Povo.

Depois, não perderia tempo a tratar de mudar mentalidades ao ritmo do Vaticano II. Em 1971 publicou  Estamos numa Hora de Viragem, documento verdadeiramente programático de corte com os equívocos e as ambiguidades da acção missionária ao abrigo do Acordo Missionário em que a "portugalização" mais prejudicava do que favorecia uma autêntica evangelização.

Mas a Homilia do Dia Mundial da Paz de 1974 - Repensar a Guerra - foi a gota de água que fez transbordar a (im)paciência e a raiva do regime colonial, sobretudo da PIDE.

No mês de Fevereiro, os Padres e as Irmãs Combonianos  publicam, na linha da atitude dos Padres Brancos em 1971, Um Imperativo de Consciênciaversando sobre os direitos do Povo Moçambicano. O Bispo assina também. Rapidamente chega ao conhecimento das autoridades e as manobras de ataque não se fazem esperar.

Manifestações arruaceiras orquestradas pela PIDE manipulando as forças mais primárias, ignorantes e colonialistas de Nampula,  levam, primeiro, ao ataque à Igreja Paroquial de S. Pedro, onde partiram todos os vidros, à Catedral e ao Centro Catequético do Anchilo, bem como a pedradas e insultos de fronte da residência episcopal, e, finalmente, à prisão de 10 missionários combonianos juntamente com o Bispo, a pretexto, dizia o Governador Gama Amaral, de os defender da fúria popular. Todos seriam expulsos não só de Nampula mas também de Moçambique.

Com o 25 de Abril não se fez esperar o desagravo político. O General Spínola convidou-o para membro do Conselho de Estado, o que foi, naturalmente, declinado.

Vieira Pinto, por decisão pessoal, regressaria a Nampula em Janeiro de 1975, em pleno processo de transição para a Independência em cuja cerimónia oficial, no estádio da Machava, foi convidado expresso do Presidente Samora.

Finalmente eleito presidente da CEM ainda pela maioria dos seus pares portugueses (apenas tinham sido nomeados os dois primeiros bispos negros moçambicanos, Alexandre Maria dos Santos (Lourenço Marques/Maputo) e Januário Nhamgumbe (Porto Amélia/Pemba), não chegaria a terminar o seu mandato. Outros valores nacionalistas se levantavam entretanto. Mas Vieira Pinto permaneceu em serviço lúcido e dedicado ao seu povo, agora sob os ventos da revolução marxista-leninista de que a Frelimo se reclamava contundentemente.

São deste tempo 3 documentos importantíssimos onde a coragem e a serenidade da sua visão profética mais uma vez se fazem  alimento precioso para quem não queria nem virar anti-comunista primário, nem colaborador acrítico da proclamada obra de reconstrução nacional revolucionária:

- Interpelações da revolução
- Tentações da hora presente
- Um Tempo Novo
-  Ateísmo e Religião - Fé e Revolução 


Já nos tempos da maldita guerra civil, pronunciou uma importante homilia no Dia Mundial da Paz de 1984 que teve por título:

A CORAGEM DA PAZ

No mês de Março seguinte seria celebrado o Acordo de Incomati entre o regime do Apartheid e o governo de Samora Machel. Mas o martírio da guerra perduraria ainda muito para lá da morte de Samora (19 de Outubro de 1986), até ao Acordo Geral de Paz entre a RENAMO e o Governo de Moçambique (4.10.1992), que, por não ter sido devidamente implementado o seu protocolo IV, está a provocar sérias perturbações militares com novas e inúteis perdas de vidas nestes dias.

O Arcebispo Manuel Vieira Pinto permaneceria em Moçambique até ao Mês de Março de 2001, altura em que tomou posse o seu sucessor, o primeiro arcebispo moçambicano de Nampula, Tomé Makhweliha.

Vive os seus últimos dias na Casa Sacerdotal da Diocese do Porto de cuja Fraternidade foi um dos grandes impulsionadores enquanto jovem padre.